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Passar à outra margem

Se houver milagre não vai acontecer nada. Esta frase foi proferida pelo presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia a propósito da situação nas urgências dos hospitais públicos para significar que existe uma grande probabilidade das coisas correrem mal. Fala-se, inclusive, na possibilidade de situação caótica no verão, uma verdadeira tempestade anunciada. A situação exige medidas a sério, que um milagre é algo extraordinário e não um fenómeno que se tome de mão quando bem se entender. O Governo acha que vai tudo correr bem, mesmo sem milagre. Pontos de vista divergentes que não deixam descansadas as mulheres que possam vir a precisar dos serviços. Mas, o pior é que a mesma proposição pode ser apropriada para o que se passa na vida política do país. 

Há quem teime mudar de margem sozinho, achando-se auto-suficiente, olhando o próprio umbigo e ignorando as consequências. Acontece que a vida política nacional não é como o futebol em que todos, indiferentes às militâncias clubísticas, remam no mesmo sentido. A selecção nacional não conseguiria certamente alguns dos feitos que tem conseguido se não houvesse esse apoio generalizado, apesar das diferenças de opinião quanto às escolhas dos jogadores e às tácticas. Na política as coisas são bem mais complicadas. O egoísmo é maior. A luta pelo poder é avessa à união de esforços. Ninguém quer remar num barco que não é o seu, nem colaborar com outro num momento de vagas alterosas. 

O país continua com problemas, muitos deles graves, mas os eleitos para os dirimir não se entendem, medem forças e rivalizam entre si, adiando a resolução do que perturba a vida dos cidadãos e afasta muitos das condições de bem-estar. A realidade precisa de ser encarada e assumida. Os ventos e as marés que pairam sobre o país não desaparecem a uma qualquer ordem. Não se pode estar à espera de milagres. Se os houver, não acontecerão quando se espera, não dependem do estalar de dedos de um qualquer dirigente partidário ou governante. Pelo contrário, requerem vontade política, determinação, disponibilidade para negociar com os adversários e trabalho aturado. Só nesse ambiente podem acontecer e não noutro. Pessoalmente, não acredito e não espero nenhum milagre nos tempos que correm. O timoneiro do barco maior, ainda que pouco maior, acha que devem ser os timoneiros dos barcos mais pequenos a segui-lo. Por sua vez, os mestres dos mais pequenos unem-se pontualmente para mostrar àquele que conseguem driblá-lo e ultrapassá-lo. O braço de ferro é o modus operandi favorito para mostrar a força de cada um. Tem sido assim e pelo andar dos barcos assim vai continuar até que o povo se pronuncie de novo sobre quem deve liderar a travessia. A questão é que sem enfrentar os problemas há gente que sofre, que não acede aos cuidados básicos de saúde, crianças e jovens que não têm professor e adultos que não têm emprego de qualidade nem local para pernoitarem com dignidade, para além de outras dificuldades, sendo certo que não basta ver a outra margem, é preciso enfrentar o mar que une os lados. 

É, por isso, que muitos não confiam ou confiam pouco naqueles que os dirigem na travessia do mar da vida. Muitos não viajam tranquilos, por se sentirem desapoiados em momentos de dificuldade, nem têm a certeza de que o barco chegará a bom porto. Enfrentam medos e, não raro, perdem a noção da presença dos que elegeram e consideram até que têm sido abandonados pelos que os deviam proteger. Passar à outra margem precisa de timoneiros respeitados e respeitadores, desprendidos da visibilidade e da vantagem dos cargos, disponíveis para um diálogo franco e aberto com os seus pares e absolutamente transparentes nos fins que prosseguem.

Luís Martins

Luís Martins

26 junho 2024