- 1. Verdadeiramente, tendemos a pensar no valor da existência quando ela mais está em perigo ou em causa.
Sucede que, nos tempos que correm, tal é o que acontece. Basta mapear a situação do mundo e a vida de cada pessoa.
- 2. As guerras, as alterações climáticas, as epidemias e toda a sorte de doenças funcionam como um despertador.
Damos conta de que sofremos e apercebemo-nos de que, afinal, podemos deixar de existir. Ou seja, o sofrimento recorda-nos que (ainda) existimos.
- 3. Cartesianamente, a formulação — mais implícita que explícita — pode seguir o encadeamento: «Sofro, logo existo».
E, no fundo, cada um de nós pode, complementarmente, subscrever: «Existo, logo sofro».
- 4. Em conformidade, tanto podemos deduzir a existência a partir do sofrimento como deduzir o sofrimento a partir da existência.
Em qualquer caso e como verbalizou Bruno Forte, o homem aparece como «o paradoxo vivo de um ser para a vida que caminha em direcção à morte».
- 5. Acontece que o próprio Deus — sublinhou Jürgen Moltmann, recentemente falecido aos 98 anos — assume o sofrimento humano.
O momento supremo é a Cruz, onde o Filho Se entrega ao Pai no Espírito que os une.
- 6. Para Moltmann — o «pai» da Teologia da Cruz —, Deus assume o sofrimento, «não por carência de ser, mas por superabundância de ser».
Deus pode tudo que vai ao ponto de assumir o que é mais oposto à Sua natureza em razão do amor para com a humanidade.
- 7. O que nos é apresentado na Cruz «é a solidariedade de Deus com o injustificável por excelência, a saber, com o inocente que sofre».
Se Deus Se manifestou na Cruz de Cristo, então na cruz daqueles que fazem parte do Seu corpo eclesial Ele continua a manifestar-Se (2 Cor 4, 10; Col 1, 24).
- 8. A Teologia da Cruz evita, deste modo, o perigo da alienação, pois o seu ponto de partida é precisamente aquilo que enfrentamos mais assiduamente.
Mas também não se cai no pessimismo desmobilizador, uma vez que o Crucificado ressuscitou: não há Ressurreição sem Cruz nem há cruz sem Ressurreição.
- 9. A última palavra não pertence à morte, mas à vida. Daí que «os sofrimentos do tempo presente nada sejam em comparação com a glória que há-de revelar-se em nós» (Rom 8, 18).
Não espanta, pois, que Jürgen Moltmann seja também visto como o «pai» da Teologia da Esperança. A sua obra «Teologia da Esperança» abriu janelas e rasgou horizontes que mantêm plena pertinência.
- 10. Não obstante a realidade dolorosa, não podemos descrer nem desistir de empreender a necessária transformação do que existe.
É por isso que o lugar do cristão não é apenas a realidade que subsiste, mas a realidade que há-de vir. E que urge não adiar mais!