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Sem a Palavra, o pão não é Pão Vivo, não é o Ressuscitado

Ao reler as 7 conclusões oficiais do 5º Congresso Eucarístico Nacional, verifiquei que não aparece uma única vez a centralidade da Palavra de Deus na celebração da Eucaristia, nem a absoluta necessidade de uma cuidada e aprofundada formação bíblica, sobretudo dos bispos, sacerdotes, diáconos, mas também dos que mais diretamente intervêm na celebração, mormente os leitores e os coralistas, entre outros.

Se dúvidas tivesse, o livro: «A Eucaristia, o Sacerdócio, e Jesus, o Filho», de Dom António Couto, de Junho de 2022, clarifica-as e responde a possíveis objeções. Quem o ler com muito cuidado, o reler e o saborear, não ficará indiferente ao que realmente acontece na celebração da Eucaristia e aos desafios que nos lança. Para que não restem dúvidas: «Alimentar-nos da Palavra, para sermos ‘servos da Palavra’ no trabalho de evangelização: esta é seguramente uma prioridade para a Igreja no início do novo milénio». (p. 79)

Parafraseando Kierkegaard, afirma: «o cristianismo é a Sabedoria de um Amor ‘crucificado´, e vive como cristão ‘aquele que sabe que o Outro morreu por ele». (p. 81) A audição de uma palavra é um trabalho do espírito durante o qual nasce uma palavra interior que é obra do silêncio». Continua: «...o padre, por maioria de razão, servo e testemunha da Palavra, por maioria de vocação e de missão, fala calando e cala falando, rezando, amando, escutando, sempre em bicos de pés, no limiar do silêncio, sempre à escuta da Palavra criadora de Deus, Palavra antes das coisas e do homem, antes da história, antes da ciência, antes da técnica. Palavra profética, é por ela que tudo vem à existência e na existência se mantém». (p. 81)

Sintonizemos com ele: «A Palavra, a Palavra mesmo, o Verbo de Deus, por quem e em quem vivem, respiram e suspiram todas as palavras e a inteira criação, (Jo 1, 1-3) está pois em estreita conexão com o silêncio e inspira todas as palavras». Mas adverte-nos imediatamente: «Entenda-se bem: falo de um silêncio novo e primeiro, anterior a mim, antes de mim, silêncio constituinte, portanto antes do principado da consciência e seu constituinte, antes da minha busca intencional, pois mora fora da minha intencionalidade, silêncio surpreendente e envolvente, mais eloquente que uma enciclopédia. Só a constatação de uma voz mais íntima do que a originária capacidade de escutar poderá restituir ao homem o lugar próprio do seu ser criado. E confiar agora esse segredo às palavras significa transformá-las em segredo, e a palavra do segredo é o silêncio. … Não se trata, portanto, de fazer silêncio, mas de o silêncio me fazer!». (p. 83)

Continuemos a maravilhar-nos: «Tudo se passa, na verdade, como se houvesse duas palavras: a que faz barulho e a outra. A audição de uma palavra é um trabalho do espírito durante o qual nasce uma palavra interior que é obra do silêncio. … Oh milagre da Palavra de Deus que de mim se abeira e me ordena através da minha própria voz, tornando-se assim o infinitamente exterior voz interior, ouvindo-se o apelo na resposta, e só aí, então, e desse modo. … Assiste-se então ao milagre de a Palavra de Deus se dizer nas palavras, nas entranhas, nos lábios e na tinta que escorre da pena de um servo!». (p. 85)

Continuemos estupefactos: «O Deus bíblico … é o Deus da alteridade ou da bondade, que não pensa em si mesmo, mas no outro, e se revela para instituir no humano o seu próprio movimento de alteridade ou de bondade. É aí, nessa nascente, que nasce o servo, o profeta, que não é simplesmente aquele que adere à Palavra de Deus e em vez de Deus fala, mas aquele em quem Deus fala». (p. 87)

«… é bom e justo que fiquemos a saber que todas as palavras que usamos para dizer Deus, mesmo as melhores, não as podemos mais dizer de cor, assim-assim, de braços caídos, de alma apagada, simplesmente paramentados, mas esvaziados, habitados apenas pelas palavras vulgares e banais …, sem alento. As palavras que dizemos têm de ser passadas pelo fogo. É neste sentido que falamos de Escrituras Santas, porque saem do fogo, e nos fazem entrar no fogo! Entremos, pois, nós nesse fogo, e façamos este mundo, morno e indiferente … entrar nesse fogo também, para nele ser queimado e purificado!». (p. 106)

No dia 14, em Azurém, Guimarães, Dom António Couto, depois de já ter estado em Abril e nos ter falado da absoluta necessidade de saber escutar e saborear a Palavra de Deus, sobretudo quando proclamada nas celebrações litúrgicas, mostrou-nos a nova luz que o estudo bíblico das palavras e gestos da instituição da Eucaristia sobre eles projeta, bem como do desafio exaltante e verdadeiramente revolucionário de os viver com alegria na vida quotidiana. Disso faremos menção em próximos textos.

Carlos Nuno Vaz

Carlos Nuno Vaz

22 junho 2024