Para alguns espíritos menos avisados, pode parecer estranha a forma como Volodymyr Zelensky se apresenta em público, sendo presidente de uma república democrática, soberana e independente, e comandante supremo das respetivas forças armadas. Por causa da agressão de que foi vítima o seu país (tornado independente em 1991, em resultado do colapso da ex-União Soviética, e acolhido como tal pela comunidade internacional, Rússia incluída, note-se), a sua imagem de homem vestido de camuflados e roupa escura passou a dominar o espaço público, particularmente o sistema televisivo mundial.
Depois de uma breve meditação, compreendi que essa indumentária, que enverga em quase todas as circunstâncias do seu agitado quotidiano, é símbolo da tristeza e do sofrimento que sente pelo seu povo, e assunção da sua qualidade de soldado, aliás, de principal soldado de uma nação que se defende heroicamente de um ataque ilegítimo à luz do direito internacional: tentativa de subjugação de uma jovem democracia, destruição de equipamentos escolares e culturais, ataques deliberados a infraestruturas energéticas, a bairros residenciais, sequestro e deportação de crianças… Um sem fim de barbaridades.
Ora, um presidente que é a cabeça das suas forças armadas, é com elas que tem de se identificar, e não com personalidades que não estão em guerra, ou com presidentes que fazem guerras sujas de fato e gravata, como Putin. Na verdade, Zelensky sabe que não pode estar longe dos seus soldados, porque eles não precisam apenas de armas, mas também de muita força moral. Por isso se diz que um exército precisa de ter a sua moral em níveis muito elevados. Parece-me que as tropas ucranianas não gostariam de ver o seu comandante supremo distante da frente de guerra, moralmente ausente de uma luta de vida e de morte, a envergar fato e gravata nas suas diligências diplomáticas pelo mundo ocidental.
De resto, para a frente diplomática, a Ucrânia tem Kuleba, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, que se apresenta sempre muito bem vestido nos seus encontros internacionais, porque o seu trabalho é exclusivamente político. Sem dúvida que Zelensky aparece muitas vezes de manga curta, mas, que eu saiba, o ato de arregaçar as mangas é próprio do homem trabalhador, do que se atira à empresa de alma e coração, porque não quer ter nenhum empecilho a estorvar-lhe os movimentos. Curiosamente, nenhum chefe de Estado ocidental o correu para fora do seu palácio em razão do seu estilo, porque todos sabem que não há convidado a merecer maior respeito do que aquele que se apresenta despido de galas e salamaleques, a pedir auxílio para um povo mártir. São imagens destas que ficam para a história da humanidade.
Zelensky, depois de uma comovente campanha de apelos patrióticos, de visitas às suas tropas na frente de guerra e a aldeias onde as forças russas perpetraram massacres, tem desenvolvido uma campanha não menos intensa na frente diplomática, particularmente a partir do momento em que escasseou o fornecimento de armamento ocidental. Tal esforço político valeu-lhe a consecução de uma cimeira internacional na Suíça (onde, coerentemente, se apresentou de blusão escuro), no que foi uma enorme vitória para a Ucrânia livre. Contrariamente, a famigerada operação militar especial de Putin (tomar Kiev em meia dúzia de dias e pôr lá um governo fantoche, como pôs noutras “repúblicas pró-russas) revelou-se um tremendo fracasso, a tal ponto que o Kremlin se viu obrigado a rever a sua retórica belicista, passando a dizer que, afinal, a Rússia estava em guerra. Extraordinário!
Sim, Zelensky tem razão para se apresentar de luto e em mangas de camisa, porque os seus soldados continuam a cair no campo de batalha, e o seu povo continua a chorar os seus mortos, as suas crianças raptadas, a destruição das suas casas, o êxodo dos seus concidadãos. A honra de um presidente não está na roupa, e, no caso de Zelensky, todos os líderes ocidentais compreenderam isso de forma superiormente inteligente. Ademais, grandes chefes políticos e religiosos também não usaram fato e gravata, alguns somente um manto (Mahatma Ghandi), ou uma túnica (Jesus Cristo); e quão grandes não foram as mensagens que deixaram aos homens. Para quem as quiser aceitar, claro.