Por vezes, encontram-se pessoas pessimistas, ou talvez comodistas, que pensam que o cumprimento das obrigações de cada momento não é um caminho que todos os homens devem percorrer, mas apenas um processo obrigatório que a sociedade nos impõe. E com que fim? Talvez para que a vida humana seja tolerável, já que a existência em comum é uma exigência da nossa própria vida, se queremos ter uma existência pacífica e agradável.
Que o homem seja um ser social, que deve viver em conjunto com muitos seus semelhantes é um facto indiscutível. Sou o que sou, não apenas porque me esforcei pessoalmente, mas porque o ambiente humano em que nasci e me criei me ensinou a fazer e a respeitar muitas realidades que, só por mim, não seria capaz de alcançar.
Sou, portanto, alguém que se relaciona com os seus semelhantes de um modo atractivo e necessário para poder viver em sociedade. Ela proporciona-me os meios indispensáveis para eu conviver e compartilhar a própria realidade e com as pessoas que me circundam. Desde a nossa origem que somos seres sociais. Não nascemos por vontade própria, mas de alguém que quis que viéssemos à vida, porque esta nos oferece possibilidades enormes de felicidade.
Certamente que uma posição egoísta ou pessimista pode denegrir a nossa vontade de viver em sociedade. Se não existo por vontade própria, mas porque outros decidiram por mim, não me sinto obrigado a viver uma conduta pautada pelas regras comportamentais que imperam na sociedade para onde fui atirado.
Uma atitude semelhante não é, em si, compreensível, salvo se o egoísmo monopolista da minha vontade e da minha mente se sobrepuserem a tudo aquilo que o ambiente social me oferece. Não esqueçamos que se eu emiti um juízo tão negativo, em última análise, foi porque o aprendi com os meios que me proporcionaram a minha educação mental. E esta não foi possível senão porque vivi em conjunto com muitos meus semelhantes. Do seu comportamento e dos seus pensamentos vieram talvez os meios que ocasionaram a qualidade de um raciocínio tão virulento.
Por si só, no entanto, um ser humano não consegue viver de acordo com o que a sua capacidade intelectual e afectiva lhe oferece ao inserir-se, desde o princípio da sua existência, num ambiente social. Este concede-lhe os instrumentos necessários para que a sua natureza humana possa desenvolver-se e enriquecer-se.
É certo que, por vezes, a sociedade que o homem constrói, não é uma boa educadora, porque aponta para horizontes de egoísmo, de falta de respeito pelas leis e pelos outros. E tudo isto, dada a capacidade que temos de aprender, pode tornar uma pessoa num ser indesejável, que só pensa em si e se esquece dos seus semelhantes.
Daí a relevância que tem a educação. E esta não se descobre apenas pelo que as escolas em que nos matriculamos, sobretudo nos primeiros anos da nossa vida, nos ensinam. Para as frequentar, é necessário antes uma apreensão de muitos factores e regras de convivência que se assimilam no lar que nos criou e onde nos habituamos – sobretudo se o meio familiar gerou uma prole variada – a lidar com os outros, quer pelos ensinamentos de generosidade que os nossos progenitores nos transmitiram, quer pela própria experiência que se recebe, quando o nosso comportamento, por exemplo, manifesta um certo pendor egoísta, já que fomenta a repulsa e o descontentamento dos irmãos, tranformando-se assim num meio de reflexão para evitar futuras ocasiões semelhantes. Certamente que ao nosso egoísmo, que é uma tendência normal de que todos temos experiência, o ambiente familiar faz-nos ponderar com naturalidade a forma de agir com os outros: os meus irmãos têm os mesmos direitos que eu na repartição das coisas boas. Por isso, era normal que eu quando recebia, por exemplo, um presente saboroso e adocicado, nem sequer me passasse pela cabeça de que se destinava apenas para mim. Motivo que me levava a reparti-lo irmamente, embora, às vezes. confesso, reservasse, para minha íntima satisfação, uma parte ligeiramente mais robusta, que eu procurava dissimular discretamente...