Ainda é frequente encontrar-se, por aqui e por ali, a persistência de um mito relacionado com o se dizer que São Paulo foi o fundador do Cristianismo. Esse mito surgiu em força no séc. XIX com a Teologia liberal a pender para o deísmo. Hoje em dia não há motivo algum para se manter esse mito e já há poucas pessoas que o sustêm, mas é como Walter Zhukov diz: «o mito persiste sob a patine da verdade e desponta, aqui e ali, quando alguém precisa de justificar ideias preconceituosas pré-concebidas».
Não há dúvida alguma que São Paulo foi um dos mais importantes teólogos que viram os seus escritos passarem a fazer parte do Novo Testamento. Tão importantes, que, mesmo nos nossos dias, os cristãos Protestantes, seguindo os seus múltiplos fundadores (em especial Lutero e sobretudo Calvino), ainda leem os textos do Novo Testamento que falam da vida, atuação e mensagem de Jesus – os “Evangelhos” – à luz da sua compreensão, distorcida pela cognição jurídica medieval, dos textos de São Paulo.
Para se responder à questão de quem fundou o Cristianismo há que saber o que é o Cristianismo. Pois bem, de um modo sucinto mas rigoroso ele trata-se de uma forma de vida moldada pela existência, mensagem, morte e ressurreição historicamente credível de Jesus enquanto Deus feito ser humano, mas sem perder a Sua divindade. Com o tempo, e para se ajudar a viver essa “forma de vida”, foram sendo desenvolvidos apuros teológicos e práticas rituais comunitárias que, assim, deram origem a uma “religião”.
Neste sentido, Jesus foi o fundador do Cristianismo, por mais que os Seus seguidores das primeiras gerações sempre se tenham querido manter ligados ao judaísmo (que os anatemizou por sustentarem que Jesus era o Messias), porque entendiam que o Cristianismo era a consumação plena, no amor, desse judaísmo.
É evidente que o dito e feito nos primórdios do Cristianismo e no Cristianismo primitivo, é distinto do feito e dito nos nossos dias (afora em algumas seitas fundamentalistas que não compreendem a própria mensagem de Jesus). De facto, foi-se aprofundando e alargando o entendimento seminal dos textos Bíblicos e isso permitiu começar-se a perceber melhor as suas mensagens que decorrem de, e se encontram unificadas em, Jesus.
Note-se ainda que se São Paulo tivesse sido o fundador do Cristianismo, ele, antes de sua conversão, não teria perseguido, com um zelo terrorista e homicida, os cristãos, pois não haveria ninguém para ele perseguir. Mas se os perseguia, é porque existiam cristãos que acreditavam em algo de blasfemo. Algo que, portanto, ia além do “amemos os nossos próximos como a nós mesmos que isso ajudará à vinda iminente do Reinado do Amor”. Eles acreditavam que, como já foi escrito acima, Jesus era Deus a agir na história, realizando o que Deus disse que faria se Israel não cumprisse a sua missão de ser «luz para as nações».
Mas há outro modo de se ver que São Paulo não foi o fundador do Cristianismo, recorrendo-se, por sinal, às suas palavras. Com efeito, São Paulo indicou explicitamente que não foi ele quem deu origem ao “evangelho” – ou “Grande Alegria” de se ter passado a saber que Deus é Amor e que ama a cada um de nós mais do que a Si –, antes a vida, morte e ressurreição (demonstradora da veracidade de todas as Suas afirmações) de Jesus Cristo libertador.