A recente Peregrinação ao Sameiro, no encerramento do 5.º Congresso Eucarístico Nacional, e a memória litúrgica de Nossa Senhora do Sameiro, no passado dia 12, fizeram-me olhar para o alto e para trás, para a relação especial que, desde tenra idade, mantenho com esse lugar sagrado, o monte Sameiro. Cresci a olhar para lá e, mesmo antes de lá ter ido, já sabia existir aí um santuário dedicado a Nossa Senhora. Na minha mais tenra idade, pensava mesmo que o mundo acabava ali, porque a vista me dizia ser aí que a montanha tocava o céu.
Recordo, com saudade, o mês de novembro de 1978, em que, com apenas 9 anos, mas já seminarista do 5.º ano, subi ao Sameiro para o magusto do Seminário de Nossa Senhora da Conceição. Creio ter sido a primeira vez que lá fui, pois, à época, tudo era longe. Fui a pé, pelo Bom Jesus, e deliciei-me com o que vi. Depois do magusto, voltei a pé à cidade, com a sensação de ter vivido um sonho, e de um tal encanto que me retardou o sono.
A partir daí, ir ao Sameiro tornou-se frequente. Numa das alturas, não sei se num magusto ou numa peregrinação, alguém me disse que D. Manuel Vieira de Matos, um dia, terá afirmado: “Nossa Senhora não apareceu no Sameiro, está no Sameiro”. Num outro momento, li por lá “Mais bela, só no céu” e reparei que, na tribuna, está escrito: “Tota pulchra es, Maria” (“Toda bela és, Maria”). Perante isto, passei a gostar ainda mais de lá ir. Nas tardes de domingo, quando não ia à família, por vezes convergia para a casa da Mãe, pelo Bom Jesus, ou pelo Vale de Lamaçães, à época uma zona paradisíaca, em que, sobretudo no mês de maio, o cheiro a rosas me inebriava.
Quando chegava ao alto do monte, usufruía da beleza e do ar puro da natureza; na casa da Mãe, rezava e contemplava; do alto do zimbório, procurava ver o mar e decifrar os pontos de interesse da cidade. Localizar Prado, a minha terra, tomando como referência a brancura da sua Igreja Paroquial e a torre altaneira que, ao longe, a sinaliza, era uma prova a que sempre me sujeitava. A sensação era a habitual: encanto, leveza, transcendência...
A minha empatia com este espaço sagrado tornou-se ainda mais forte quando, a 15 de maio de 1982, aí me desloquei “para ver o Papa”. Parti de Prado, às quatro da madrugada, para estar no Sameiro pelas oito da manhã. Esperei muitas horas, com escassez de comida e bebida, mas o entusiasmo era enorme e maior se tornou quando, a meio da tarde, veio a notícia de que o Santo Padre tinha acabado de chegar à cidade e, em breve, estaria no Sameiro. Entre cânticos e orações, chegou a vez de cantar, a plenos pulmões: “João Paulo II, pastor universal, bem-vindo, bem-vindo, bem-vindo a Portugal”.
O Papa passou muito perto de mim e, nessa altura, senti não apenas mais segurança no caminho como também mais orientação para a caminhada. Nesse que foi o dia mais memorável para a cidade de Braga e um dos maiores para mim, regressei a casa novamente a pé – era necessário poupar, porque, à época, as despesas com os estudos levavam mais de metade do orçamento familiar – e adormeci de cansaço, pois, no meio da euforia, o sono tardava a chegar.
Depois de tantas idas ao Sameiro, a minha relação com esse lugar tornou-se umbilical, a partir do dia 18 de julho de 1993. Foi na Cripta do Sameiro que, sob o olhar e a proteção da Mãe, fui ordenado sacerdote. É aí que volto, com relativa frequência, para renovar os compromissos então assumidos e pedir a Deus, por intercessão de Maria, que me revigore no exercício do meu ministério. Tal aconteceu, de forma especial, em maio de 2018, por ocasião das minhas Bodas de Prata Sacerdotais. Com um significativo grupo de paroquianos, fui de Prado a pé e a pé voltei, agora com um grupo mais reduzido, visto que alguns se ressentiram das agruras do caminho e das mazelas da vida.
Sempre que vou ao Sameiro, volto de lá mais leve, mesmo quando, no Restaurante Maia, me sacio com o sempre apetecido e apreciado bacalhau com natas. Subir ao monte, respirar ar puro, contemplar a natureza, espraiar a vista são momentos tão sagrados quanto os de entrar no santuário, rezar e confiar à Mãe os anseios do coração e as inquietações da vida. Se é na casa materna que nos sentimos mais seguros, porque amados e protegidos, o monte Sameiro e o seu santuário são para mim, uma espécie de casa materna, lugares de paz, descanso e oração. Volto de lá refeito interiormente e pronto para as exigências do quotidiano.
Se, para ver o Sameiro, preciso de olhar para o alto e se a sua contemplação me faz olhar para trás, também me ajuda a olhar para a frente, com mais confiança e segurança, dado que, do Alto, a Imaculada Conceição olha para mim e, no seu cuidado maternal, olha por mim.