O Dia da Consciência celebra-se amanhã. A 17 de Junho de 1940, o cônsul de Portugal em Bordéus, contrariando ordens expressas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, começa o empreendimento frenético de assinar os vistos que permitirão a fuga dos que, de outro modo, corriam o risco de ser mortos pelas tropas nazis ocupantes de França. Durante alguns dias, Aristides de Sousa Mendes obstina-se em salvar vidas. O Dia da Consciência também se poderia assinalar na data de hoje porque foi a 16 de Junho que, após um retiro no quarto durante três dias, o cônsul de Bordéus tomou a decisão de emitir vistos a quem os requeresse.
Pedindo que a liberdade de consciência seja respeitada sempre e em todo o lugar e que cada cristão possa “dar exemplo de coerência, com uma consciência recta e iluminada pela Palavra de Deus”, o Papa Francisco assinalou o Dia da Consciência há quatro anos, no Vaticano. Francisco explicou que a comemoração é “inspirada pelo diplomata português”, cuja acção considerou exemplar.
Aristides de Sousa Mendes é um português extraordinário. Lembro-me de, no Verão de 2008, ter reparado num longo texto impresso em folhas de papel A4 afixadas nas paredes de algumas ruas e praças de Bordéus. Começava com um pedido de desculpa “pelo transtorno provocado” e garantia que tudo seria feito para preservar a tranquilidade dos moradores “e respeitar a actividade de cada um”. As razões do incómodo eram simples: era necessário encenar por ali parte de um filme sobre o diplomata. Realizado por Joël Santoni, ficou rapidamente pronto. Chama-se Désobéir – Aristides de Sousa Mendes e foi exibido no ano seguinte, por esta altura do ano, no canal televisivo France 2.
A acção de Desobedecer – Aristides de Sousa Mendes decorre em Junho de 1940 e dá conta do trabalho infatigável do cônsul português para salvar milhares de vidas das tropas nazis que tinham invadido a França, mostrando como, durante esse mês, o cônsul português, desobedecendo às ordens reiteradas de Salazar, assinou vistos a pessoas que, por alguma razão, se arriscavam a ser mortas se permanecessem em solo francês.
A sua acção singular era, aliás, recordada nos papéis afixados nas paredes de Bordéus: “Este homem desconhecido era cônsul de Portugal em Bordéus em 1940. Salvou, então, 30 mil refugiados, entre os quais 10 mil judeus, que fugiam do invasor nazi, concedendo-lhes, sem distinguir as suas nacionalidades ou religiões, autorizações de entrada em Portugal, desobedecendo assim às ordens dos seus superiores hierárquicos, escutando apenas a voz da sua consciência, sem se preocupar com a carreira e colocando em risco a própria vida”.
Ao cônsul de Portugal em Bordéus se deve a mais importante acção de salvamento liderada por uma só pessoa durante o Holocausto, afirma Joël Santoni, citando o historiador Yehuda Bauer. Na conversa que tivemos (e que deu o tema de capa do Boletim Público na Escola de Junho de 2009), o realizador manifestou uma enorme admiração por Aristides de Sousa Mendes. Entre o que nele aprecia, encontra-se, obviamente, o facto de ter desobedecido, tomando decisões que a consciência lhe impunha, mas que poderiam prejudicar, como prejudicaram, a sua vida e a dos seus familiares. “É um bom católico”, diz o realizador, assinalando, ironicamente, o facto de Salazar se afirmar também como católico. Não são do mesmo catolicismo, garante Joël Santoni.
Recorda o realizador que o herói do filme ajudou todo o tipo de pessoas: judeus, comunistas, os Habsburgo. Empenhou-se na tarefa de salvar pessoas por razões profundamente morais, circunstância a que Joël Santoni atribui a tardia reabilitação de Aristides de Sousa Mendes após o 25 de Abril. “Não é um herói de esquerda”, considera o realizador, julgando que ele seria hoje “um homem de direita liberal”. É uma “personagem muito interessante”.
O Dia da Consciência incorpora também o legado ético ou moral de outros portugueses que, durante a tragédia da II Guerra Mundial, também salvaram vidas e, como Aristides de Sousa Mendes, honram Portugal: Carlos Sampaio Garrido, embaixador de Portugal na Hungria; Alberto Teixeira Branquinho, encarregado de Negócios em Budapeste; o padre Joaquim Carreira, reitor do Pontifício Colégio Português em Roma; e o operário Joseph de Brito Mendes, imigrante em França.
Amanhã é o dia de homenagear quem seguiu a voz da consciência. São exemplo e desafio.