Reagir à morte é natural da condição do ser humano. E, ao contrário do que a maioria das pessoas supõe, os profissionais que trabalham nestas áreas da morte, do morrer e do luto não estão imunes a esta experiência e, muito menos, são insensíveis perante a morte daqueles que amam e que fizeram parte da sua história.
São muitas as vezes em que sou confrontada com esta questão: as pessoas imaginam que, diante da morte de alguém muito querido, o profissional do luto não tem dificuldade em lidar com o assunto – afinal, tem consigo as ferramentas para trabalha-lo e por isso, sofre menos. Puro engano! Tal como todos os seres humanos, também vivenciamos as nossas perdas: perdas irreparáveis e que necessitam também elas de um processo de luto. Estas experiências confirmam e validam a complexidade deste processo de rompimento de vínculos afetivos.
Seria fantástico que os profissionais que encaram a morte e/ou o luto diariamente ficassem isentos da dor que a morte, e a consequente separação, provoca! É claro que não é possível e torna-se também importante falar sobre isto.
Mesmo depois de anos de experiência nesta área delicada e temida por todos, a dor da perda continua a ser equiparada ao tamanho do vínculo rompido. Quando o profissional que trabalha com a morte e o luto perde alguém, também ele está entregue às emoções e a todas as dores que este fenómeno evoca. É importante perceber que o profissional é também ele um ser humano que se vincula e que irá, inevitavelmente, sofrer, devido ao rompimento de laços afetivos. Todos, sem exceção, reagimos às perdas!
A diferença é que, os profissionais que trabalham com o luto aprendem sobre a vida com a morte:
- Percebemos que todas as pessoas morrem, inclusive os nossos familiares e amigos mais próximos e por isso, devemos dar todo o carinho e atenção que eles merecem sempre, pois não sabemos quando um de nós poderá partir.
- Percebemos que a morte provoca muita dor e por isso, temos o direito de chorar e de sofrer quando ela chegar ao nosso núcleo mais restrito. Por outro lado, precisamos deixar de sufocar a dor da saudade, como se tudo estivesse sob controlo.
- Percebemos que as pessoas ficam vulneráveis e desorientadas diante da perda, pelo que temos o direito ao “colo”, ao carinho dos amigos e dos familiares e também ao pedido de ajuda (muitas vezes evitado porque “temos de ser mais forte”).
Sim, é normal e natural que os profissionais se sintam vulneráveis e frágeis perante a grandeza da saudade que faz morada quando a morte chega às suas casas.
Todos nós, profissionais do luto poderíamos usar aqueles recursos de negação ou fuga, mas já sabemos da sua ineficácia e do fardo que teríamos de carregar. Por isso, permitimo-nos chorar, viver a saudade deixada e expressar tudo o que sentimos para podermos construir uma nova realidade, ressignificada.
Permitir a si mesmo trabalhar os seus lutos, é sem dúvida, dos maiores trabalhos de reconstrução interna que o ser humano terá de fazer, em algum momento da sua existência. Arthur Schopenhauer (filósofo alemão) dizia que o ser humano sofre porque se apega a alguém e que a solução para essa dor passaria por não se ligar a ninguém. Eu prefiro acreditar que, apesar da dor da perda, valeu muito a pena amar os nossos familiares e amigos próximos, como se nunca fossem morrer! Afinal, deixaram-nos tantas memórias boas e carregadinhas de amor!