twitter

A difícil mudança

Justamente quando entramos na designada “época de exames”, nos diferentes anos de escolaridade do ensino obrigatório, acabam de saltar para o espaço público números que revelam uma persistente composição social das taxas de insucesso neste tipo de provas. Em todas as disciplinas, mas de um modo particular em Matemática, Português e também em Biologia ou Física e Química, ou seja, em disciplinas que virão a permitir o acesso aos cursos superiores mais disputados, os alunos mais pobres revelam um desempenho mais fraco. A título de exemplo, a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência acaba de revelar que em 2023 apenas 1/5 dos alunos do designado Escalão A (os mais pobres e com apoio social) logrou alcançar uma “nota” positiva no exame nacional de Matemática do 9º ano.

Mau grado uma diversidade de esforços ou estratégias conhecidas que possam eventualmente ter sido desenhadas para contornar esta realidade (aulas de apoio, turmas mais pequenas, outras), o facto é que a mesma se tem revelado imutável. Num país ainda com muitos pobres, a fatura social pesa. 

Não sou economista, é patente. Todavia, se consultarmos a PORDATA constatamos que em Portugal a “produtividade aparente do trabalho” (a riqueza anual produzida em média por cada trabalhador) passou de 18.880 euros, em 1996, para os 28.474 euros em 2005, ou seja aumentou 50% no curso dessa década. Analisando dados mais recentes, constatamos que esta mesma produtividade passou de 34.349 euros em 2012, para os 38.867 euros em 2021, aumentando uns modestos 13% em dez anos. Ainda que a inflação não esteja aqui clarificada, é um facto que a produtividade portuguesa está hoje na cauda da UE (ver dados Eurostat).

O PIB português revigorou-se nos anos recentes, mas mais por efeito do crescimento do volume total da mão de obra do que pelo efeito do aumento da produtividade por trabalhador. O “milagre” do sucesso no turismo e noutros setores de mão de obra intensiva tem permitido aumentar o PIB do nosso país (bom para o rácio dívida pública/PIB e para as contas da Segurança Social) mas não tem, visivelmente, diminuído a percentagem de pobres entre os que trabalham (realidade atenuada com muitas transferências sociais). Esta pode até ser a aposta económica possível, concedamos, mas não é, provadamente, uma aposta que nos perspetive grande futuro. 

Num país onde quem aufere salários de 2500/3000 euros brutos mensais já é tratado como “rico” pelo fisco e por boa parte do discurso partidário (quando na Europa mais rica não passará da classe média-baixa), a sofrível mediania do nível de vida parece ter caminho futuro assegurado e, por consequência, face ao exposto, a mediocridade escolar de muitos alunos também. 

Tal como eu, o leitor conhecerá, porventura, exemplos de alunos socialmente desfavorecidos que, desafiando o destino e com mérito próprio, patenteiam a excelência na aprendizagem. Obviamente que, para lá da importância da qualidade dos docentes, a atitude da família mostra-se muito relevante no sucesso escolar dos alunos: a valorização da escola, o exemplo do progenitor que também lê livros, e não se limita a proibir o excesso do uso do telemóvel ou dos ecrãs ao filho/a, contam.

O facto de as televisões ou redes sociais idolatrarem “estrelas”, designadamente no mundo do desporto, que aliam o ganho de milhões de euros anuais com uma escassa formação escolar constitui-se, ao invés, num poderoso adversário da valorização da escola. E a impossibilidade de os pais custearem explicações aos filhos limita a competitividade dos mesmos com os pares na escola, sabemo-lo também.

No final, sobram os factos: em Portugal, a produtividade, a riqueza média criada por trabalhador, não está a crescer aceitavelmente nas últimas duas décadas ou mais; os resultados dos exames nacionais evidenciam que os alunos mais pobres patenteiam uma mais fraca aprendizagem escolar. E a relação entre uma baixa escolaridade e a pobreza futura também está identificada, embora hoje de modo menos fatalista do que no passado.

Bom será que assim não venha a suceder. Todavia, a manter-se o atual perfil global da economia portuguesa, marcado por salários baixos, poderemos lamentavelmente antecipar que em anos próximos iremos ler relatórios sobre o (in)sucesso escolar dos nossos alunos em exames nacionais que, como qualquer copy paste, não trarão prestáveis novidades. 

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

16 junho 2024