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É preciso ter uma visão real sobre o colonialismo

 

As situações vividas ao longo de séculos nos países lusófonos poderão ter interpretações diversificadas, mas que devem também ser analisadas em contexto histórico real e ao tempo, noutros países, principalmente nas Américas do Norte e menos na do Sul. Ali as populações autóctones ocupavam os territórios como seres humanos com os seus mitos e seu modus vivendi, dentro do espírito étnico, mas que foram desaparecendo ou perdendo identidade como população ocupante do território.

Portugal desbravou caminhos por via marítima a partir do século XV, deixando a sua marca em imensas regiões do mundo, embora dentro das condições de chegada e partida, ou permanência, por vezes em condições menos adequadas às etnias e com intervenções normais ao tempo, mas que não se enquadravam dentro da vivência das tribos dos povos locais, podendo originar litígios guerreiros.

O colonialismo não pode ser visto e analisado na ótica exclusivamente ligada aos autóctones, mas também como a mais-valia que daí resultou, não deixando, contudo, de referir que alguns países de referência atual beneficiaram em larga escala das colónias, o que não se verificou com Portugal.

Devido ao regime vigente em Portugal, após a primeira República em 1910 e com a implantação da ditadura em 1928, verificou-se um subdesenvolvimento nas colónias, tendo sido impedidos grandes investimentos e mesmo exploração de recursos naturais e minerais, sendo mesmo limitada a imigração do povo português, sendo necessária carta de chamada.

Podemos apontar como exemplo mais flagrante a exploração do petróleo em Angola, descoberto  em 1912 pela Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola (PEMA), que antecedeu a Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), fundada em 1917, e que só começou a ser pesquisado e explorado após a atuação dos movimentos de libertação para a independência de Angola, a partir de 1960, quando tal não aconteceu no Zaire (ex-Congo Belga), quer com o petróleo, quer com o cobre em Katanga, o mesmo acontecendo noutros países africanos de ex-colónias europeias.

Em Angola houve sempre uma grande visão para o seu desenvolvimento e de que esta se tornasse um dos países mais ricos de África, considerando as suas potencialidades. Aliás, esta perspetiva iniciou-se ao tempo do Alto-Comissário Norton de Matos (1921-1924), que ergueu uma gigantesca obra no que se refere ao povoamento, obras públicas e proteção de indígenas. Porém, o regime salazarista limitou este desenvolvimento económico de Angola, com recuo no caminho para a sua autonomia e independência.

Mais tarde e a partir de 1960, quando dos movimentos de libertação que se foram implantando progressivamente em Angola, houve outro grande gestor e político, que a partir de junho de 1961 deu um enorme e valioso impulso ao crescimento económico de Angola, José Eduardo da Costa Oliveira, que assumiu a pasta da Economia entre dezembro de 1964 e setembro de 1969 e que desenvolveu uma nova dinâmica na modernidade e na criação económica. 

É de salientar que o crescimento de Angola se verificava ao nível do Brasil e Luanda se desenvolvia ao nível de S. Paulo – Brasil. Aliás, um grande escritor angolano, Sócrates Dáskalos, afirmou, “a obra notável de Jorge Eduardo da Costa Oliveira conseguira transformar consideravelmente o panorama económico de Angola. Os importantes resultados obtidos fizeram de Jorge da Costa Oliveira, a seguir a Norton de Matos, o maior e mais decisivo agente de transformação da economia angolana deste século”.

Tendo assumido a pasta do Planeamento e Finanças em setembro de 1969, sendo primeiro titular, abandonou Angola em janeiro de 1973, por discordar da política seguida pelo Ministro do Ultramar, Joaquim da Silva Cunha, tendo já como primeiro-ministro Marcelo Caetano. Quando este fez uma visita a Angola em 1969, no Huambo (Nova Lisboa), houve um grupo de portugueses natos em Angola ou a viver ali há muitos anos, que o abordou para dar início à autonomia de Angola, caminhando para a independência, citando, entre outros: Joaquim Fernandes Vieira, Presidente da Associação Comercial de Angola, António Cardoso e Cunha, que veio a ser o primeiro Comissário Europeu de Portugal, cuja família era um dos cernes da economia em Angola e que regressou a Portugal numa traineira de pesca e outros, que ainda foram depois a Lisboa com a mesma intenção e nada conseguiram, iniciando-se então a partir de 1974/75 a grande ponte aérea dos “retornados” a Portugal, deixando ali todos os seus bens e partindo só com uma pequena mala de pertences.

Quantos portugueses venderam os seus bens em Portugal, para investir em Angola e ali deixaram tudo e no regresso foram os grandes impulsionadores da ocupação do interior e da economia portuguesa. Quando foi proclamada a independência de Angola, o Almirante Leonel Cardoso, às zero horas do dia 11 de novembro de 1975, quando fez a entrega ao M.P.L.A. afirmou “Os homens desapareceram, mas a sua obra fica. Portugal parte sem sentimentos de culpa e sem ter de que se envergonhar. Deixa um país de que se orgulha e de que os angolanos podem orgulhar-se.”

Também deixei Angola em 3 de dezembro de 1977, após não haver acordo com o governo angolano, como último Diretor Geral e Administrador Residente da Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), não esquecendo os momentos difíceis que vivi com a PIDE e depois com a DISA.

Recordo, quando de uma visita do Presidente Agostinho Neto à Diamang, em novembro de 1977, numa viagem de helicóptero do Dundo para Lucapa, este confidenciar-me “os portugueses vão voltar a Angola, mas é preciso dar tempo ao tempo” e também não esqueço a reprimenda que me deu, quando falei nos “movimentos terroristas”, corrigindo “movimentos de libertação”.

Tendo sido acometido de um problema de saúde que se veio a agravar, seguiu em tratamento para Moscovo, tendo regressado o seu corpo a Angola, após ter falecido em 1979.

Apesar da guerra que se vivia a partir de 1960, Angola era um país extraordinário e com crescimento económico em diversas áreas, citando, entre outras, o terceiro produtor mundial de café, a primeira exportadora africana de carne bovina, o segundo exportador africano de sisal e muitas outras de bebidas e conservas, assim como os diamantes, um dos maiores exportadores mundiais, e do petróleo na província de Cabinda.

Era isto Angola e os autóctones já ocupavam lugares de destaque, na preparação para a independência, que era inevitável.

Bernardo Reis

Bernardo Reis

15 junho 2024