Da última vez que passei por Viana do Castelo ainda subsistia a seguinte inscrição a tinta preta numa das artérias da cidade: “um povo culto é um povo livre”. Para além da carga ideológico-partidária implícita, a epígrafe lembra ao passante que a democracia não é um dado adquirido, antes projeto em construção. Em 2010, o Uppsala Conflict Data Program (UCDP) registava 30 conflitos armados em todo o mundo. Em 2022, eram já 55, oito dos quais classificados como “guerra” da qual resultaram pelo menos mil mortos por ano. De acordo com aquele instituto sueco, o número de óbitos associados aumentou mais de 400% desde o início da década. Aliás, em 2023, o Alto Comissariado das Nações Unidas para o Acolhimento dos Refugiados (ACNUR) contabilizava 120 milhões de deslocados, a maioria dos quais devido à guerra, seguindo-se as alterações climáticas.
Uma paz duradoura alicerça-se no conhecimento de si e dos outros, no diálogo genuíno entre os povos. É precisamente esse o leitmotiv que, em 1945, presidiu à criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, ainda fumegavam os escombros do segundo conflito mundial em menos de três décadas. De facto, a primeira metade do século XX tinha ilustrado, de forma aterradora, quão frágeis podem revelar-se os pactos económicos e políticos entre Estados. Desde há 80 anos, esta agência internacional tem centrado a sua atuação em áreas como a educação, a cultura, as ciências naturais e humanas e a informação/comunicação. Ultimamente, apostou de modo particular na educação a nível global, nas questões éticas associadas à Inteligência Artificial, na acessibilidade do conhecimento científico e em projetos como a recuperação do património de Mossul (Iraque), entre outros.
Hoje constituída por 194 estados-membros, a UNESCO é sobretudo conhecida por ter classificado cerca de 1150 lugares na lista do património mundial da humanidade, havendo mais de 700 práticas e tradições no rol do património imaterial. A política cultural passa ainda pela implementação de programas e ferramentas educativas, assim como por métodos de desenvolvimento sustentável. Uma dessas iniciativas teve início em 2004 com a fundação da Rede das Cidades Criativas da UNESCO (RCCU) que conta hoje com 350 municípios parceiros em mais de cem países, em torno de sete domínios: artesanato e artes populares, media arts, design, filme, gastronomia, literatura e música. Desde 2017, Braga faz parte das 25 cidades reconhecidas internacionalmente na área das Media Arts.
Inscrever a criatividade e as indústrias culturais nos planos de desenvolvimento locais, a partir de uma rede articulada a nível global, não é fenómeno de moda, estratégia de elites para sustentar uma legião de artistas com falta de público e financiamento ou bordão de marketing. A criatividade é um fator estratégico de desenvolvimento sustentável a nível económico, social, cultural e ambiental. Basta estar atento às propostas que regularmente investem o GNration e outros espaços da cidade. Numa sociedade de risco, a criatividade é simultaneamente um valor supremo da humanidade, um imperativo ético e moral e uma forma de inovação social e de posicionamento sociocultural.
De 1 a 5 de julho, Braga recebe algumas centenas de representantes dos cinco continentes no âmbito da décima sexta conferência anual da Rede das Cidades Criativas da UNESCO. Subordinado ao tema “20 anos da RCCU: trazer a juventude para a mesa global’, o encontro tem por objetivo debater as prioridades estratégicas em termos de boas práticas e políticas públicas, no contexto da transição para as gerações vindouras. Ao organizar um evento de impacto planetário, Braga reforça a sua posição como centro cultural, criativo, económico e turístico do norte da Península Ibérica, num tempo em que as democracias se fissuram um pouco por todo o lado. Durante uma semana, não será apenas a capital mundial da criatividade cultural, mas também um lugar estratégico para se (re)pensar a democracia e a paz a médio e longo prazo.