1. A Igreja celebra hoje a festa de Santo António, Padroeiro de Portugal. Aproveito o ensejo para referir o que diz respeito à sua «carreira militar», talvez desconhecida de muitos dos seus devotos.
Refere o capitão Rebelo (não sei de que publicação extraí estas notas) que em documentos militares datados de 1660 Santo António de Lisboa é apelidado pelos soldados com o carinhoso nome de «Santo Antoninho». Isto porque uma pequena imagem sua, retirada de um nicho situado à esquina da Rua das Donas, à Alfama, aparece como mascote da companhia do capitão Timóteo Coelho Manso.
Em todas as mais importantes ações em que entrou a companhia do capitão Manso via-se sempre, em pleno combate, a imagem do Santo. Os soldados consideravam-no um dos seus. Atribuíam-lhe os êxitos militares e quando o capitão Manso chamou «coronel senhor Santo António», numa só voz toda a Companhia respondeu: «Presente!»
Quando a vitoriosa Companhia do capitão Manso regressou aos lares pátrios, a imagem do Santo voltou ao seu velho nicho na Rua das Donas, com a medalha com que a Companhia fora condecorada e nos ombros os galões referentes ao seu novo posto, cujo soldo era pago apenas para custear as despesas do culto.
Santo António terá sido também patrono de unidades militares que teriam estado em Peniche, Chaves, Brasil, Índia e Moçambique, a quem os militares atribuíam diversos feitos. A sua imagem acompanhou o Regimento de Infantaria n.º 19 na Guerra Peninsular de 1810 a 1814.
2. Parece ter sido D. João IV quem sancionou as promoções «ilegais» feitas a Santo António, que já desde 1665 estava assentando praça no Terço da Câmara de Lisboa, antecedendo a Batalha de Montes Claros.
D. João V, numa longa carta endereçada ao Comandante de Lagos, recomendava a máxima atenção com o soldo de Santo António, então capitão, o qual devia ser gasto, unicamente, no culto.
D. José I não fez qualquer promoção nem pagou qualquer soldo, mas em 1777 deu entrada na Secretaria do Reino uma proposta de promoção do capitão Santo António ao posto imediato, uma vez que, durante mais de cem anos de vida militar, «nunca tivera qualquer castigo, ou praticara alguma irregularidade que o levasse a ser açoutado, preso ou punido».
A petição foi atendida em 1780 pela rainha D. Maria I, que o promoveu a major com o soldo de 15 mil reis.
Quando, por ocasião das invasões francesas, apresentaram a Junot o livro da matrícula dos oficiais do Regimento de Lagos, de onde constava o nome do Santo como protetor do Reino, o general francês limitou-se a sorrir e mandou que fossem abonados todos os soldos em dívida.
Ao que consta, desde 1940 que este tenente-coronel não recebe qualquer soldo.
3. No Brasil, o P. António Vieira atribuiu à proteção de Santo António a defesa da Baía dos invasores holandeses. E em 1654 o governador da mesma Baía, D. Rodrigo da Costa, deu-lhe a patente de capitão entretenido da Fortaleza da Barra, determinando que o respetivo soldo fosse entregue ao síndico do Convento de S. Francisco.
Esta promoção foi depois confirmada por D. João V, em carta régia de 07 de abril de 1707. Mais tarde, o Príncipe Regente, por decreto de 13 de setembro de 1810 e carta patente de 04 de fevereiro do ano seguinte promoveu-o a sargento-mor, atribuindo à sua intercessão a salvação da Monarquia da crise a que esteve exposta durante as invasões francesas, em Portugal. E em 25 de novembro de 1814, D. João, Príncipe Regente, assinou, no Palácio da Real Fazenda de Santa Cruz, um decreto elevando o sargento-mor Santo António de Lisboa ao posto de tenente-coronel de infantaria. («O Centurião», jornal do Ordinariato Castrense. Ano XII. N.º 5/95. Novembro/Dezembro).
Não deixa de ser curioso este percurso militar de Santo António de Lisboa que não pode ter estado nunca senão na defesa da paz e da dignidade da pessoa humana e dos seus legítimos direitos.