twitter

Morreu o teólogo, mas não a esperança

 


 

“Foi uma longa e fecunda parábola humana e intelectual que terminou ontem em Tübingen, aos 98 anos, para Jürgen Moltmann, um dos teólogos mais importantes do século XX. Uma vida, na parte mais longínqua, marcada pelas dilacerações causadas pela Segunda Guerra Mundial e pelo encarceramento; na parte subsequente, por uma grande criatividade especulativa, nunca alheia aos acontecimentos do seu tempo, capaz de colocar a humanidade numa tensão unitiva entre a história, o futuro e a memória da esperança, para transformar a teologia política numa teologia da criação1”. 

Ao reagir assim à sua morte, no jornal Avvenire, Marco Roncalli divide a vida de J. Moltmann em dois grandes momentos: o da sua participação na Guerra, que deixou notáveis marcas; e o tempo posterior, em que foi estudante e professor, teólogo de relevo e de renome internacional – um dos principais do Luteranismo –, com obra de qualidade em diversas áreas do saber teológico. 

Nasceu em Hamburgo (Alemanha), a 8 de abril de 1926, numa família que procurava “levar uma vida simples e cultivar pensamentos elevados”. Com 16 anos de idade, foi convocado para servir na Força Aérea e escalado para defender Hamburgo com um canhão antiaéreo, acompanhado do seu amigo de escola Gerard Schopper. Num ataque dos britânicos à cidade, o amigo morreu, mas ele sobreviveu. Dois anos depois, em 1945, foi capturado na frente de guerra e levado para um campo de prisioneiros, primeiro na Bélgica e depois na Inglaterra e na Escócia. Foi aí que tomou contacto com o Novo Testamento e os Salmos. 

Os tempos do cativeiro foram de leitura e profunda reflexão, tendo o Salmo 39 e o Evangelho de Marcos despertado nele a fé. Quando, em 1948, regressou à Alemanha – tinha 22 anos e sentia-se atraído por Jesus Cristo2 –, iniciou o estudo da teologia, em Göttingen. Foi por essa altura que conheceu Elisabeth Wendel3, com quem casou, em 1952, e de quem teve quatro filhas. 

Concluídos os estudos teológicos, J. Moltmann começou por exercer o múnus de pastor, mas, em 1957, deixou o ministério pastoral para ensinar teologia, primeiro, na universidade de Wuppertal (1958-19634); depois, em Bonn (1963-19685); e, por último, em Tübingen, desde 1968 até à sua jubilação (1994). Após isso, e durante muitos anos, dedicou-se a acompanhar alunos em pós-graduação. 

Das suas obras, o destaque vai para a trilogia: Teologia da Esperança, livro publicado em 1964 e recebido com grande entusiasmo6; O Deus crucificado (1972) e A Igreja na força do espírito (1975). Estes livros despertaram um tal interesse que fizeram dele o “teólogo mais lido dos últimos 80 anos” (Conselho Mundial das Igrejas). O segredo para tal encontrar-se-á talvez numa das suas frases: “a menos que a teologia académica se volte continuamente para a teologia do povo, ela torna-se abstrata e irrelevante”. Ou até na globalidade da sua obra, que foi paradoxalmente “existencial e académica, pastoral e política, inovadora e tradicional, fácil de ler e, ao mesmo tempo, exigente, contextualizada e universal” (Miroslav Volf). 

Para J. Moltmann, a fé cristã está alicerçada na esperança da ressurreição do Cristo crucificado. Unindo as duas ideias – o sofrimento de Cristo e a esperança dos cristãos –, fez delas o cerne da sua teologia. Ensinava que o reino vindouro de Deus atua sobre a história humana, a partir do futuro escatológico. Nas suas próprias palavras: “o cristianismo é escatologia do início ao fim, e não apenas no epílogo”. 

Mesmo que se trate de um nome desconhecido para a maior parte dos leitores, não poderíamos deixar de apresentar a sua vida e o seu pensamento7, num tributo ao inestimável contributo que deu à reflexão teológica. Morreu o teólogo da esperança, mas não a virtude que estudou e fundamentou. Não só a esperança não morreu, como nem sequer foi derrotada. Saiu antes vitoriosa e mais viva, porque foi por ele revigorada na sua própria fonte: a ressurreição de Jesus Cristo. 


 


 

1 Inscreve-se nesta área o livro que publicou com Leonardo Boff, em 2014: Há esperança para a criação ameaçada?

2 “Eu não encontrei Cristo, Ele é que me encontrou” é uma das suas frases mais emblemáticas.

3 Elisabeth Wendel (1926-2016) foi uma relevante teóloga feminista. Em 1997, publicou a sua autobiografia, sugestivamente intiulada Quem não cuida da terra não pode alcançar o Céu. Após o seu falecimento, o marido escreveu um dos seus últimos ensaios: Ressuscitado para a vida eterna. Sobre a morte e a ressurreição.

4 Foi aí que conheceu o grande teólogo, também ele alemão, Wolfhart Pannemberg (1928-2014).

5 Foi aqui que começou a trabalhar o tema da esperança. Posteriormente, sintetizou-o de forma simples: “Deus chora connosco para que um dia possamos rir com ele”. 

6 A Teologia da Esperança é uma espécie de autobiografia. O autor escreve sobre a procura do sentido da vida e a necessidade de responder à pergunta “Porque é que eu estou vivo e não morto como os outros?”.

7 A importância da sua teologia advém da abrangência temática, da sua preocupação com a vida integral, e do facto de ser feita não apenas com a razão, mas também com o coração e com alma.

P. João Alberto Correia

P. João Alberto Correia

10 junho 2024