Escolhemos colocar da forma mais crua algumas questões com as quais estamos confrontados, sendo indispensável compreender que todos os processos políticos são reversíveis. Ao invés da insistência no cliché de que “não existem alternativas” é fundamental compreender que em política existem sempre outras possibilidades, rumos e saídas. Podem é não constituir soluções ou modelos consentâneos com os interesses da grande maioria dos cidadãos em democracia. Por isso, nestas eleições europeias é imperativo não perder de vista que a União Europeia é uma ideia virtuosa de solidariedade política e de paz entre os europeus, e um espaço de prosperidade à escala do continente. Esta constitui a sua força fundamental. Mas, ao mesmo tempo, reconheçamos que a UE assenta numa fundação ainda frágil, tendo em conta o seu carácter único e inovador. Sem receio das palavras, considero que estas eleições para o Parlamento Europeu decorrem numa das fases mais críticas da integração desde a criação das Comunidades Europeias na década de 1950.
Com efeito, a construção comunitária pode estar ameaçada de desintegração pela crescente demagogia dos populismos, o que constituiria um verdadeiro paradoxo histórico na exacta medida em que esta comunidade política é mais necessária do que nunca para obstar eficazmente a quaisquer impérios que se possam estar a formar – seja qual for a sua capa, a sua designação ou a sua lógica. Desde logo, o conjunto da União Europeia necessita de lidar com o enormíssimo dilema de segurança que as pretensões hegemónicas e o expansionismo factual da China já revelam, tal como com a intolerável e criminosa agressão em curso do Kremlin à Ucrânia. Do mesmo modo, a UE é mais necessária do que nunca para fazer face ao fanatismo dos jihadistas.
Precisamente por isso, para responder aos mais importantes desafios deste século, é fundamental não perder de vista o essencial: a União Europeia continua a ser a mais admirável construção política de cooperação internacional no mundo globalizado, combinando democracia representativa, instituições multilaterais, e economia social de mercado. A União Europeia e os valores democráticos euro-atlânticos são uma âncora indispensável neste ciclo internacional de crescente incerteza e confusão. No presente horizonte temporal só a UE tem a experiência de governação colaborativa acumulada para responder eficazmente aos desafios actuais, que não podem ser resolvidos por um país isoladamente. Nem pelos maiores. É, pois, fundamental ter consciência dos constrangimentos presentes, desde os problemas que se prendem com as alterações climáticas, passando pelas exigências da economia globalizada, até às mais prementes questões sociais e migratórias. Não deixaria de referir que uma das ironias formidáveis das migrações em direcção à Europa é a de que elas são, em grande medida, uma demonstração virtuosa de poder de atracção da União Europeia – uma iniludível expressão do seu soft power.
Por outro lado, tendo em mente a complexidade do momento presente é igualmente imprescindível reflectir sobre a realidade do euro – isto é, da existência de uma moeda comum – que se transformou ela mesma num dos pilares políticos fundamentais da própria integração europeia e de cuja robustez depende também a sobrevivência do projecto europeu. O destino dos dois planos está doravante intimamente ligado. Contudo, à zona euro continua a faltar o nível de integração política necessário para assegurar a sobrevivência da moeda única, algo que não está garantido. Neste sentido, temos argumentado ao longo da última década da necessidade de um momento hamiltoniano na União Europeia. Em que sentido? Falamos do reforço da união monetária que requer elementos vitais, tais como integração económica e bancária reforçadas, um orçamento próprio, e a necessária flexibilidade política para lidar com choques financeiros, transferências fiscais e dívida colectiva. Apesar de desenvolvimentos positivos recentes forçados em parte pela pandemia Covid-19, à actual UE continuam a faltar grande parte destes atributos. Com efeito, o futuro do euro pode estar em risco caso não se aperfeiçoem os seus mecanismos de funcionamento e não se reforce decisivamente a coordenação política. Este é, por certo, um ponto crucial do nosso futuro colectivo, fundamental para Portugal. Acresce que a necessidade de uma recalibragem das políticas públicas europeias ganha nova acuidade e premência. Referiríamos, por exemplo, áreas tão críticas como a indústria europeia das telecomunicações ou da inteligência artificial que parecem patinar de forma penosa face aos gigantes norte-americanos e asiáticos. O mesmo seria dizer da estratégia europeia de energia, em grande medida sem rumo.
Assim, neste ciclo internacional especialmente perigoso o relançamento da União bem como a continuidade do esforço de modernização dos Estados que a integram são indissociáveis da sua reinvenção. Por isso, votar no dia 9 de Junho é mais do que um dever. É uma responsabilidade intransferível de cada um de nós.