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Camões – 500 anos

Por feliz coincidência, as comemorações do próximo dia 10 de Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas no mundo – ocorrem precisamente quando arrancam outras importantes comemorações nacionais: as do V Centenário do Nascimento de Camões.

Apesar de o programa de tais celebrações ser muito variado e repleto de importantes iniciativas e realizações, de âmbito nacional e internacional, sinto o dever e o impulso patriótico, cultural e estético de celebrar o contributo do nosso maior Poeta não somente para a história da língua e da cultura portuguesas, mas também para a minha formação literária, educação do meu gosto pela poesia épica e lírica e também para a visão da portugalidade e da identidade nacional dentro de uma mais ampla mundivisão humanista que congrega, com igual estatuto, diferentes povos, territórios, línguas e culturas.

Sabe quem me conhece que sempre tive no mar a minha grande paixão e que, por isso, como português de nascimento, sempre intuí, como evidência primeira, que o meu pequeno país, para ser grande, como foi e poderá ser no futuro, haverá de continuar a ter no mar a sua maior utopia.

Ora, ao ler e reler Os Lusíadas, o que eu vejo constantemente é o mar, são as naus, os navegantes, os povos e terras que descobrimos e com quem nos relacionamos, os astros, a fauna, a flora, em suma, um poema épico sobre uma viagem marítima transoceânica. E vejo ainda relatada, numa síntese genial, a fundação de Portugal, a partilha da fé e da língua e a procura de um império que se não tinha, mas de um império diferente de quantos até então tinham existido: de âmbito verdadeiramente global, fundado mais no comércio e nas relações e tratados de amizade com os povos autóctones do que em políticas militares de ocupação, domínio e subjugação.

Como bem sublinham camonistas como Rita Marnoto, “O Gama e os seus marinheiros foram conhecer rotas oceânicas que nenhum europeu alguma vez tinha percorrido, novas terras e um novo continente, a Ásia. Mas, no final de Os Lusíadas, eles é que são achados por uma ilha flutuante, guiada por Vénus. Os navegadores são homens, mas quem acha a frota de Vasco da Gama é afinal uma mulher, Vénus acompanhada das suas ninfas. Achar a Índia e ser achado.” 

Esta linguagem metafórica ilustra bem a alteridade que naturalmente se estabeleceu entre descobridores e descobertos. As relações humanas, políticas e comerciais que, desde então, se estabeleceram entre uns e outros estendem-se naturalmente às culturas, às línguas e aos costumes que se entrecruzam e se fundem, sem preconceitos. Nestes e noutros aspectos, Os Lusíadas, como em geral a lírica camoniana, têm de ser lidos e ensinados como um hino à liberdade, à beleza, à diversidade e alteridade de outras terras, outras gentes e outras geografias.

Contrariamente ao que pensam os defensores do ultranacionalismo, que vêem nos Lusíadas um culto a tudo o que é português e a glorificação da lusitaneidade, o que o génio Camões canta na sua epopeia não é a superioridade dos portugueses relativamente aos outros povos, designadamente aos descobertos, mas a extraordinária aventura de uma tão pequena nação ousar, com êxito, conhecer povos e partes do mundo até então desconhecidos, navegando por mares ignorados, em busca das terras do Oriente.

A contemporaneidade do texto camoniano, permite-nos olhar o mundo numa perspectiva humanista e universal, pensar no papel activo que Portugal pode desempenhar na promoção da paz e da geopolítica internacional e na difusão da língua e cultura portuguesas, à semelhança do que os nossos navegadores fizeram pelos quatro cantos do mundo.

Quando se contempla o espaço lusófono, os seus cerca de 260 milhões de falantes e uma língua que ocupa o quarto lugar nas mais faladas do mundo, é inevitável pensar em Camões e no contributo inestimável que deu para a renovação, aperfeiçoamento e difusão da língua portuguesa e para o seu cruzamento com outras línguas, falas, dialectos e culturas.

Dir-se-á que a chave do sucesso literário reside no génio, no talento, na arte e no engenho do nosso maior valor. Mas se tal afirmação é verdadeira, não o é na integralidade, porque o êxito e o mérito do Poeta assentou por igual no estudo aturado e na experiência acumulada durante as longuíssimas viagens que empreendeu. Estudo que se pensa ter decorrido no Mosteiro de Santa Cruz, de Coimbra, onde seu tio, Bento de Camões, era prior, então considerado um dos centros culturais mais prestigiados da Europa e o único em Portugal capaz de ministrar ao poeta a imensa cultura de que foi senhor; e experiência nas rotas da Índia, precisamente naquelas que o heróico Gama percorreu.

Ler e ensinar Os Lusíadas e a lírica camoniana será pois a melhor forma de celebrar os 500 anos de Camões, de ensinar aos vindouros a centralidade do Mar na identidade e independência de Portugal, os valores da liberdade, da diversidade, da beleza e da alteridade de outras terras, outras gentes, outras geografias, a importância da descoberta e respeito pelo outro e a necessidade do estudo e do conhecimento do mundo para bem escrever, servir e defender a pátria, a natureza, a paz e o progresso do Mundo!

António Brochado Pedras

António Brochado Pedras

7 junho 2024