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“Evangelhos” de crentes: credíveis?

Mantendo-nos ainda ao redor dos textos do Novo Testamento – em assuntos que ninguém deveria desconhecer para falar sobre esse estranho modo de viver (o ser cristão) que, com o tempo, se foi tornando numa religião –, é imprescindível tratar-se de uma questão fulcral. Em concreto: tendo os “Evangelhos” (textos que relatam os eventos mais salientes da vida de Jesus tendo em vista a libertação de nós mesmos do nosso “ego” e subsequente “desamor”) sido escritos por crentes em Jesus, são obras credíveis?

É compreensível a dúvida: se quem escreveram os “Evangelhos” eram seguidores, discípulos e até amigos íntimos de Jesus, tendo mesmo ficado com as suas vidas profundamente transformadas por Esse mesmo Jesus a Quem vieram a reconhecer como Deus, o que nos deixaram escrito é de confiança? Não haverá atitudes preconceituosas positivas face ao que Jesus fez e disse?

Deixem-me começar a responder a esta questão fazendo umas perguntas. É claro que ninguém creu que Karl Marx fosse “Deus”, mas muitos nele viram uma figura messiânica e, assim, quase dotada de um perfil divino (não fora o Marxismo uma genuína heresia do judaísmo). Mas mesmo que isto tenha acontecido e essas pessoas tenham escrito sobre Marx, quer dizer que tudo o que escreveram é inaceitável como registo da sua vida? Quer dizer que é linearmente inacreditável?

Creio que estaremos todos de acordo que a resposta a tais questões é “não”. A história possui rigorosos métodos críticos para aferir a verdade no meio da semiverdade e até da mentira mais ou menos explícita. Esses mesmos métodos são abundantemente usados, por peritos descrentes e crentes, desde há quase dois séculos aos textos dos “Evangelhos” (mas não senão escassamente, e devido a diversos medos, em referência aos textos do islão). E por maior que tenha sido, e esteja a ser, a vontade de desacreditar os “Evangelhos”, nada do que foi descoberto tira um pontinho de um “i” à sua credibilidade de unidade na diversidade.

Mas podemos responder à questão que dá título a este texto de outra forma: se os seus autores quisessem “vender banha da cobra” atrativa para os seus contemporâneos, há todo um conjunto de realidades que nunca teriam sido afirmadas por ele. De facto, ninguém diz o que estima que não será aceite se não tiver tido que o fazer fruto do amor à verdade.

Há imensas situações como as que referi no parágrafo anterior. Apontarei apenas algumas delas sem fazer alguma seleção, antes deixando-me levar pelo que me vier espontaneamente à memória: 1) ninguém esperava uma Ressurreição de Jesus como a que ocorreu e é descrita; 2) ninguém daria valor a um mestre religioso judeu que não fosse casado e, apesar disso, ninguém referiu um matrimónio qualquer de Jesus; 3) não se apresentariam os mais próximos de Jesus, sobre os quais viria a estar apoiada a transmissão da mensagem de Jesus, como pessoas cheias de problemas, invejas, descrenças, traições; 4) não se poriam os familiares de Jesus a chamarem ao Mesmo de “louco”; 5) o uso por Jesus da Sua saliva para curar, quase que magicamente (algo desprestigioso), a cegueira de uma pessoa e, ainda por mais, requerendo uma dupla intervenção; etc.

Alexandre Freire Duarte

Alexandre Freire Duarte

5 junho 2024