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A «gentrificação» dos pobres

1 - A reconfiguração dos espaços – e das populações – não se limita ao impacto dos abastados que chegam em grandes quantidades e se impõem com volumosos recursos.

A moldura do seu imobiliário e a gestão empresarial que promovem tipificam uma nova fisionomia que surpreende e, por vezes, incomoda.

2 - Mas esta – digamos – «gentrificação rica» coexiste e chega a conflituar com outra, que será uma «gentrificação dos pobres».

É que enquanto uns não parecem cessar no empoderamento, outros encontram toda a sorte de obstáculos no acolhimento.

3 - Enquanto uns pairam no limiar da ostentação, outros penam nos umbrais da luta pela sobrevivência.

E enquanto a uns se abrem todas as portas, a outros parecem ser erguidos todos os entraves.

4 - Provenientes das mais diversas partes do mundo, vêm à procura de trabalho e, consequentemente, de melhores condições de vida.

De uma maneira geral, a sua integração é pacífica e a hospitalidade dos residentes também é pautada pela cortesia.

5 - Ultimamente, porém, tem sido notícia a dificuldade no processamento da regularização e até o cometimento de algumas agressões.

Apesar de profundamente lamentáveis, estas ocorrências estão longe de permitir concluir que vivamos uma deriva xenófoba ou racista em Portugal.

6 - Há, contudo, que estar atento, evitando quer a bajulação dos mais ricos, quer a humilhação dos mais pobres.

Estes, sem desprimor para ninguém, até deveriam merecer um tratamento de preferência, mais atento e integrador.

7 - Tenhamos em conta, aliás, que nós próprios somos um povo de emigrantes e apreciamos que os nossos compatriotas sejam recebidos com o devido respeito.

Acresce que, teologicamente, há um factor de não podemos negligenciar. Deus não confiou Portugal aos portugueses, nem a França aos franceses. Antes de mais, Deus entregou a terra (toda a terra) aos homens (a todos os homens).

8 - Tão censurável, por isso, é impor a cultura que se leva quando se procura um destino diferente como a recusar a vivência dos valores que transportam os que demandam o nosso território.

Num mundo a explodir de tragédias, temos de crescer em humanidade, compaixão e entreajuda.

9 - Quem vem não se pode sentir dono a ponto de impor os seus padrões de conduta.

E a quem reside não é lícito rejeitar a convivência pacífica com outras formas de vida.

10 - Numa hora em que o planeta ameaça transformar-se num vulcão pronto a explodir, a alternativa só pode ser a aceitação mútua.

Estamos muito longe deste desiderato. Que as nossas palavras e os nossos gestos não inviabilizem caminhos que já se apresentam pouco transitáveis!

João António Pinheiro Teixeira

João António Pinheiro Teixeira

4 junho 2024