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O fatalismo mediático

 

 



 

Pacheco Pereira, que anteontem nos brindou com uma conferência sobre os movimentos de resistência ao Estado Novo, em mais uma iniciativa da Biblioteca municipal de Vila Verde, tem uma frase paradigmática que se tem revelado certeira em linha com o que determina a ascensão e queda dos políticos: “se tu vives pela imprensa, morres pela imprensa”. A frase aplica-se a toda a classe política em geral, particularmente aos que abusam do seu estatuto para promoverem uma imagem e um discurso. Marcelo Rebelo de Sousa tinha tudo a seu favor para retirar os melhores dividendos da exposição mediática positiva a que está sujeita a primeira figura do Estado. Preferiu esticar a corda e de tal forma o fez e em excesso, que a queda não é culpa de ninguém a não ser do próprio. Não é de agora, nem as sondagens acabadas de sair sobre a sua popularidade, são uma novidade. Na verdade, o Presidente da República foi avisado, por demasiadas vezes, que havia um exagero na sua presença mediática, que não podia andar a fazer o papel de comentador de serviço a toda a hora e sobre qualquer assunto. Como diz o povo “tantas vezes o cântaro vai à fonte…”. Para um homem que trata o espaço mediático por tu, Marcelo Rebelo de Sousa, de forma surpreendente, acabou por cair na armadilha que lhe foi estendida pela mesma comunicação social que o apaparicou ao longo da última década. É o resultado de um narcisismo bacoco, alicerçado na imagem de um presidente dos afetos, que ultrapassou o limite da tolerância popular e mostrou que afinal não podia fazer tudo o que queria, quando queria e como queria, sem que o mesmo palco onde se passeia, não lhe abrisse um cadafalso. Preferiu alegremente enfrentar a queda e ela aí está, imparável e disponível para aniquilar todas as hipóteses de ser recordado como Presidente-Rei. Deixou de ter piada, o povo já não corre para tirar um selfie e os seus comentários a tudo o que mexe perderam força e sentido. Agora, entretido a apanhar os cacos de uma imagem que se desgastou rapidamente, o Presidente da República já deve estar arrependido pela forma como lidou com o caso das gémeas e se tornou um fator de instabilidade na gestão da queda do último governo. Apesar do arrependimento, Marcelo é Marcelo, faz de conta que não passa nada, acha que o tempo ajuda a resolver os problemas causados pela perceção dos portugueses sobre a sua conduta e que um dia, tudo se irá compor a seu favor, claro está! O excessivo mediatismo, a que estão sujeitas as figuras públicas, tem um outro lado negro da história: é que nesta disponibilidade para “viver da imprensa”, tem de haver um recetor disponível para “comprar” o produto. A Comunicação Social tem feito esse papel na perfeição, exagerando, também ela, na sua disponibilidade para transformar em notícia a fofoca presidencial, para além do razoável e tolerável. Há muitos outros membros da classe política eleita a perfilarem-se e a sonharem todos os dias com o que será o cheiro a alecrim. Mau grado o esforço, não chegam nem aos calcanhares do Presidente por uma boa razão: não são uma fonte de notícias de primeira água, nem conseguem ser atendidos pelos diretores dos OCS sempre que o telefone toca. O cultivo desta soma de interesses não é ilegal, mas é imoral e nada tem a ver com o que seria desejável: uma avaliação cuidadosa do que é lixo, do que se apresta a ser uma manipulação de vontades ou simplesmente um exagero de alguém que se tornou um “viciado” mediático e compulsivo. A frase de Pacheco Pereira é fatal e não se aplica apenas a Marcelo. Alguns ministros e autarcas professam o mesmo desejo de exposição mediática, tentando cultivar um culto de personalidade muito próprio de regimes autocráticos. É vê-los a passearem-se pelas páginas dos jornais, de Norte a Sul do país. Fazem parte de uma elite que vende promessas a rodos, facilidades com pompa e circunstância. Porém, na maioria dos casos, sem substância, acabam por ser cordeiros e morrem na imprensa onde tentaram vender o umbigo até à exaustão. 

Paulo Sousa

Paulo Sousa

2 junho 2024