Era uma pessoa de meia idade, casada há cerca de quinze anos, mas não conseguira até agora alcançar um objectivo que ele e sua mulher se tinham proposto, quando contraíram matrimónio: educar uma prole numerosa.
Aliás, entre ambos havia uma experiência comum, porque as suas famílias eram efectivamente muito robustas em matéria de filhos. Ele e ela habituaram-se desde a nascença a viver entre bastantes irmãos. E recordavam, com pena, perante a incapacidade de gerarem filhos, certas situações dos seus lares de infância, em que aprendiam naturalmente a pensar nos outros em todas as circunstâncias, mesmo quando alguma manifestação de egoísmo ou de monopólio, sobretudo com doces em dias de festa, levava um dos vários irmãos, a avisar quando algum se servia, exclamando: “Não te esqueças que tens irmãos que gostam tanto como tu desse doce. Não queiras tudo para ti... E não deixes os outros só com um bocadinho...”
Ambos recordavam com nostalgia esses momentos, contando cada um, repetidas vezes entre si, situações parecidas e inesquecíveis. No fim, sentiam uma dor interior, que procuravam disfarçar para não incomodar o seu par, mas, mau grado o esforço, ficavam em silêncio prolongado, saindo sempre depois um deles do lugar onde se encontravam, com o intuito de evitar que a dor que os atacava não acabasse num abraço demorado, no meio de muitas lágrimas.
Fizeram tudo o que estava ao seu alcance para gerar descendência,, mas nem as muitas consultas médicas a especialistas, nem as suas orações constantes com esse fim, alcançaram o que pretendiam.
Um dia a mulher, com certo desespero, chorou diante do seu marido, porque se sentia culpada da situação, porque era ela que não conseguia o objectivo, segundo lhe dissera um médico famoso que consultara nesse mesmo dia.
“Aqui não há culpados!, gritou com força o seu homem. “Gosto de ti como és e não como tu gostarias que não fosses!” Ela abraçou-o com veemência, chorando de emoção. “Vamos jantar fora”, disse-lhe o marido. “Mas o jantar já está preparado”, observou a esposa. “Não importa, mete-o no frigorífico e comemo-lo amanhã!”
Esta ordem irrevogável do dono da casa cumpriu-se e serviu para diminuir a tristeza da sua esposa. No final da refeição, resolveu o marido dar uma pequena volta de carro pela cidade antes de chegarem a casa. E quando desligava o motor, em frente do prédio de vários andares onde moravam, ela abriu a sua boca, com vagar e serenidade, mas com algum receio de provocar uma tempestade entre os dois: “Posso dizer-te uma coisa?” O marido respondeu sem hesitar: “Com certeza! O que é?” Ela baixou a sua cabeça e, com certo receio de levantar alguma celeuma no casal, foi murmurando: “ Tenho andado a congeminar cá por dentro uma ideia que não sei se tu gostarás e aceitarás”... O marido atalhou: “Sem saber o que é não posso dizer nada...” E com mais receio ainda, ela continuou: “È que não posso decidir se tu não estiveres de acordo...” “Mas o que é?” Perguntou ele um pouco surpreendido. “ Prometes não te irritares. E se não tiver o teu acordo, desistirei da ideia...” “Mas o que é ?”, repetiu ele novamente. “Não te irrites, por favor... Ando a pensar numa adopção...” O marido explodiu: “Mas que alegria me dás! Já imaginei tantas vezes essa resolução... Afinal, estamos em perfeito acordo...”
E, efectivamente, os dois discutiram o assunto e concluíram que não deveriam adoptar apenas uma criança, mas três, embora tivessem consciência do trabalho que teriam. Consultaram uma pessoa amiga, directora de um lar de crianças, explicaram-lhe o que pretendiam e ela concordou em aceder ao desejo do casal. Marcaram a data para a visita.
Nesse mesmo dia, aproximada a hora da ida ao lar, a mulher sentiu-se indisposta, enjoada, com dificuldade inclusivamente de se manter em pé, porque tinha vertigens fortes e frequentes. O marido telefonou à directora do lar, pedindo-lhe desculpa pelo desarranjo e marcou outra data com ela. A situação da esposa complicou-se e teve de deitar-se. Foi chamado um médico amigo, que só pôde observá-la já perto da hora do jantar. Auscultou-a demoradamente, fez-lhe muitas perguntas e concluiu. “Tem de ir a uma clínica, onde possam fazer-lhe exames mais profundos. No entanto, aquilo que me parece do que examinei é que a senhora está grávida”.
Saiu o clínico e abraçaram-se longamente de contentamento. No dia seguinte, depois de exames prolongados, a conclusão do dia anterior foi confirmada. E, de facto, completado o tempo da gravidez, o casal, cheio de alegria, pôde agradecer os dois gémeos que nasceram.