Não fomos educados para conviver com a morte, e mesmo tendo consciência de que ela faz parte do ciclo de vida, tentamos ignorá-la ou, até mesmo fugir de tudo o que lembra dela. Vivemos como se esta fosse uma realidade muito distante de nós e que “só acontece aos outros”. Até que, em algum momento das nossas rotinas… Ela surge! E leva-nos um parente mais próximo, um amigo, um companheiro de jornada, um conhecido,…
Por vezes, a morte camufla-se e toma a imagem de uma doença prolongada que se vai instalando e sugando dia após dia, a energia vital da pessoa, as suas memórias, as suas alegrias, os seus projetos. Outras vezes, ela surpreende a todos através de um ataque cardíaco ou um acidente fatal… Levando repentinamente aquela pessoa que, até há pouco tempo estava ali connosco, gozando de boa saúde, e traçando metas para a sua vida.
Seja qual for o modo que a morte bate à nossa porta, nunca estamos preparados para esta visita. É normal e até natural não querer pensar nesse evento (apesar de inevitável). Poderia ser para muitos, paralisante pensar na morte, poderia prejudicar a elaboração dos nossos projetos, sentidos e significados e impedir-nos de viver plenamente. Mas, por outro lado, precisamos de falar do que fica, dos legados, para a posteridade.
O pai ou a mãe que faleceu e deixa aos descendentes legados particulares, subtis e marcantes. São valores, memórias, afetos… que ficam perpetuados nos filhos, no gosto ou em determinado talento. Quem parte deixa experiências, aprendizagens, lembranças, conquistas, dores e alegrias. Mas também temos os objetos mais triviais como roupas e livros, por exemplo. O que faremos com esse legado?
É importante lembrar o ente querido pelas coisas que fez e que gostava. O legado é aquilo que traduz quem a pessoa foi, como ela viveu e como ela gostaria de ser lembrada. O legado é aquilo que se transmite dentro do coração e por isso, é atemporal e presença viva da ausência: é tudo aquilo que permanece e resiste ao tempo. Quando alguém falece deixa sempre o seu apelido, uma expressão falada repetidas vezes, uma mania, mensagens trocadas no tempo e que ficam gravadas na alma. Enfim, algo que será lembrado por algum motivo.
Uma das estratégias para uma saudável elaboração do luto passa pela ressignificação dos interesses e desejos em atividades que resultem numa produção criativa, onde podem ser usados (ou não) elementos deixados pela pessoa falecida, não como uma função de dependência, mas com uma função simbólica. Por outro lado, os objetos podem ser doados, como ato de desprendimento e desapego.
O tema da morte convida-nos à reflexão sobre a vida e sobre o que temos feito com ela. Ter consciência da nossa finitude é que nos permite compreender o verdadeiro significado da vida. É precisamente nestes lugares de memórias e histórias que eternizamos os nossos amores cuja saudade tem nome e sobrenome.