“Vinde, ó Santo Espírito, vinde, Amor ardente, acendei na terra vossa luz fulgente”. Assim começa a Sequência1 da festa que, no próximo Domingo se celebra, o Pentecostes. A versão portuguesa é uma tradução livre do texto latino Veni, Sancte Spiritus2.
A Sequência é um cântico do próprio da missa, na liturgia da Igreja Católica. No gregoriano, com texto de autor3, apareceu por meados do século IX, desenvolvendo melodias já existentes. Ao contrário dos cânticos aleluiáticos, que se servem de melismas4, a Sequência usa uma nota para cada sílaba e os seus textos utilizam rimas.
A sua origem prende-se com o costume medieval de acrescentar à vogal final do Aleluia uma série de notas que se desdobravam num longo vocalizo, conhecido como “jubilus do Aleluia” ou “sequência” (continuação). Por isso, segui-a o Aleluia, como seu prolongamento, mas, na reforma litúrgica de 1970, foi colocado antes5 e conservaram-se como obrigatórias apenas a da Páscoa e a do Pentecostes.
Se a origem dos textos das Sequências parece estar na poesia latina e nos hinos paleocristãos, a sua forma só foi fixada no século X por Notker, o Gago (840?-912), da abadia de Saint-Gall (Suiça), que a popularizou. Na Idade Média, este género tornou-se muito popular, tendo sido compostas cerca de cinco mil.
A Sequência de Pentecostes é constituída por cinco estrofes duplas, feita cada uma de três versos, dando-nos a entender quem é o Espírito Santo e o que Ele faz em nós, na Igreja e no mundo. A letra aparece já em manuscritos dos séculos XI e XII e é atribuída a Stephen Langton (1150-1228), chanceler da Universidade de Paris e Arcebispo de Canterbury (Cantuária)6, que a terá composto por volta do ano 1210. Enviou-a ao Papa Inocêncio III e este determinou o seu uso na liturgia.
Na música clássica, o texto desta Sequência foi musicado por Josquin de Prés (1450-1521), Heinrich Schütz (1585-1672), Dietrich Buxtehude (1637-1707), Marc-Antoine Charpentier (1643-1704), Johanan Georg Ahle (1651-1706), Johann Sebastian Bach (1685-1750), entre outros. Georg Philip Telleman (1681-1767) também o usa, na obra Geistliches Konzert (Concertos Sacros). Na música sacra atual, são diversos os compositores que a musicaram. Entre nós, a mais conhecida é a do compositor bracarense Manuel Faria (1916-1983), publicada na Nova Revista de Música Sacra (nº 2, II série).
A par destas informações e em jeito de proposta de oração, facultamos aos leitores o texto desta Sequência, na versão portuguesa, como consta dos livros litúrgicos:
Vinde, ó Santo Espírito,
Vinde, amor ardente,
Acendei na terra
Vossa luz fulgente.
Vinde, pai dos pobres:
Na dor e aflições,
Vinde encher de gozo
Nossos corações.
Benfeitor supremo
Em todo o momento,
Habitando em nós
Sois o nosso alento.
Descanso na luta
E na paz encanto,
No calor sois brisa,
Conforto no pranto.
Luz de santidade,
Que no céu ardeis,
Abrasai as almas
Dos vossos fiéis.
Sem a vossa força
E favor clemente,
Nada há no homem
Que seja inocente.
Lavai nossas manchas,
A aridez regai,
Sarai os enfermos
E a todos salvai.
Abrandai durezas
Para os caminhantes,
Animai os tristes,
Guiai os errantes.
Vossos sete dons
Concedei à alma
Do que em vós confia:
Virtude na vida,
Amparo na morte,
No céu alegria.
1 Conhecida também como Sequentia Aurea (“Sequência de Ouro”), a de Pentecostes é uma das cinco sequências medievais que foram preservadas no Missal Romano de 1570. As outras são a do Domingo de Páscoa (Victime paschali laudes), a do Corpus Christi (Lauda Sion), a de Nossa Senhora das Dores (Stabat Mater) e a da Missa dos Defuntos (Dies irae).
2 Não a confundir com o Veni Creator Spiritus, hino de Vésperas do Pentecostes, composto provavelmente por Rábano Mauro, no século IX. É cantado nas celebrações litúrgicas do Pentecostes e em muitos outros momentos: entrada dos cardeais para a Capela Sistina, conclave para a escolha de um Papa; ordenação de bispos e sacerdotes; sacramento da Confirmação; dedicação de templos; celebração de sínodos e concílios; profissão de fé de membros de instituições religiosas, etc.
3 A grande maioria do repertório gregoriano retira os seus textos da Bíblia, sobretudo do livro dos Salmos.
4 Chama-se melisma a um conjunto de notas que desdobram uma sílaba. O contrário da música melismática é a silábica, em que, a cada sílaba, corresponde uma única nota.
5 Apesar de o Graduale Romanun a colocar depois, o nº 64 da Instrução Geral do Missal Romano (IGMR) diz que deve ser proclamada ou cantada antes do Aleluia. Por regra, ocorre antes, com a assembleia ainda sentada.
6 Antes de os estudiosos terem chegado a esta conclusão, o texto foi atribuído ao rei de França Roberto II (falecido em 1031), ao monge Hermann Contrato (fal. em 1054) e até ao Papa Inocêncio III (fal. em 1216).