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Elevação contínua e ascendente?…

Aproxima-se a festa da Ascensão. Pode-se dizer o cume da Ressurreição de Páscoa, em que liturgicamente Jesus sobe aos céus e deixa os seus discípulos extasiados neste encontro simbólico de Deus com a humanidade, ou do ser humano com a transcendência. É a verdadeira metáfora e complemento da celebração da vigília pascal,iniciada com o gesto litúrgico no rito do Accendite, que aparece em algumas liturgias locais (ex missal de Évora, Ourense, Toledo, Salamanca e no missal bracarense de 1558).

Depois da bênção da fonte batismal e as leituras do AT na vigília pascal, seguia-se o Cantemus Domino e a Confissão. Alguém aproximava-se do círio pascal, por três vezes, apagava-o e reacendeu-o, enquanto o celebrante principal dizia, também por três vezes, e com a voz em crescendo Accendite, ao que a assembleia respondia Deo gratias. 

Que significa este rito peculiar? Entre outros, é sobretudo o significado de que “a fé na ressurreição do Senhor” não é tarefa fácil, nem resultado de um dom que nos tira as duvidas, ou o ceticismo para longe. Não é fácil ter acesa em nós a fé. Ainda assim(...) todos nós, do resplendor da Trindade, podemos reacendê-la para sempre” (Cf José Miguel Fraga Cardoso in Para uma escatologia sapiencial. Ed DMinho, Braga p. 359)

Trata-se de um rito simples e simbólico que traduz perfeitamente o dinamismo vital da fé cristã: esta não é uma certeza absoluta, um dado adquirido, mas uma interrogação permanente sobre o mistério, sem ser uma meta, todavia um caminho instável e um exercício de percurso continuo.

Num tempo em que aparecem diversas concepções de Deus e do Cristianismo, sem dogmatismos exacerbados, dogmáticos ou fundamentalistas, exprime-se o que é a fé do cristão numa perspetiva dinâmica , num contexto cultural , como o referido autor exprime no ”círio pascal do cristianismo”, a luz nas sombras: com a chama acesa da fé (fé convicta), com a chama apagada (fé já inexistente) ou com chama semi-acesa (fé a renascer). Esta tríplice dimensão explica uma fé, mesmo de não crentes a exigir uma ascensão, treino, pesquisa (vocatus atque non vocatus, Deus aderit (Deus nomeado ou não, estará presente) e em todos há formas manifestas ou latentes de fé, mais ou menos ocultas, implícitas (anónimas) ou explicitas, como aliás testemunha o fundador da Psicologia Profunda Carl Gustav Jung. Por isso se pode falar de crença dos incrédulos e da “incredulidade dos crentes”, ou cristãos enjoados. Será este o sintoma frequente no nosso tempo, perante a guerra, a violência, as crises , confusões e dúvidas que nos atingem?

 Esta kairologia obriga a uma reflexão,esclarecimento e ascensão pessoal contínua, mesmo nos mais crentes, capaz de debelar ceticismos, dúvidas e tentar compreender o caos do nosso mundo, no mau uso e abuso das liberdades pessoais, ou coletivas, levando a autocracias totalitárias ou democracias inconciliáveis, de consenso ou de lutas m surdina.

Tomas Halik, um teólogo checo, convertido e depois sacerdote católico, a viver num regime totalitário, pergunta de que modo o poder terapêutico da fé, transformando uma Igreja entorpecida e internamente dividida num” hospital de campanha” de que tantas vezes fala o Papa Francisco,pode tornar-se luz das nações. Como transformar uma polifonia caótica num clima moral de respeito mutuo e valores partilhados?

Esta a grande questão, mesmo em países tradicionalmente cristãos, abafados por ideologias liberais, pretensamente democráticas, fundamentalistas, ou com cristãos superficiais, cujas raizes cristãs epidérmicas, se diluem num daltonismo religioso, relativista, passivo, que vive o apateísmo ou de indiferença religiosa.

Entre nós, com tantas devoções e procissões religiosas, urge encontrar-se uma interpretação teológico-sociológica mais atenta às mudanças , no domínio da cultura, religião, política e nova sensibilidade do nosso contexto sociológico atual sem ilusões ou quimeras de fantasias edulcoradas, quando tantos vegetam ainda na pobreza ou na miséria social,moral ou mesmo intelectual. Até quando?...

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Rosas de Assis

8 maio 2024