twitter

Como Régio, sei que também não vou por aí!

A propósito de transumanismo, agenda Woke e afins

Aproprio-me de um grito de José Régio (Cântico Negro), para me distanciar de certas correntes de pensamento que contendem com o meu património ético, filosófico e religioso. Naturalmente que estou a colocar o foco em questões como transumanismo, relativismo moral, ideologia de género (não a igualdade de género, que é outra coisa), agenda Woke e afins. Sou adepto do progresso cultural, social e económico da sociedade; defendo os direitos humanos; condeno a ditadura como regime político e repudio a guerra como forma de resolver conflitos; contrariamente, porém, combato a difusão do erro e da mentira enquanto agentes subversores de uma civilização que foi moldada ao longo de uma evolução de milhares de anos.

Considerada, pois, esta minha atitude moral, não posso aderir a causas que violem princípios elementares que sempre sobrelevaram a circunstância temporal do homem, dada a sua natureza imutável e transcendente. O conhecimento pelo qual a humanidade se rege tem paradigmas e arquétipos que não podem ser derrogados a pedido de minorias hiper-reivindicativas, porquanto, na sua essência, são pré-existentes a qualquer cultura humana. No entanto, filosofias e correntes de pensamento de sentido contrário têm vindo a encontrar acolhimento na generalidade dos países ocidentais, cada vez mais caídos em luxúria, droga, descrença, violência, injustiça, demagogia… Afinal, onde está o progresso? 

Só porque o transumanismo (transformação processada pela ciência e pela técnica, nomeadamente pela IA e pela biotecnologia, para potenciação intelectual, física e psicológica do homem, com o objetivo final da superação de limitações humanas, como o envelhecimento ou a morte) veio de Inglaterra, pela mão do professor da Universidade de Oxford Nick Bostrom, tenho de ir atrás desse senhor e ser como ele? Não, não vou por aí! E não vou por aí, porque quero continuar a ser simplesmente pessoa, com tudo o que essa condição implica: aceitação da vida e da morte plenas, já que, enquanto criatura, pertenço à natureza. O espírito não entra nesta equação. Por isso, não cairei na tentação de me ver como transumano ou algoritmo bioquímico.

Só porque o relativismo moral (ideologia que entende o julgamento moral como uma faculdade do indivíduo e não da sociedade, por considerar que não existem princípios éticos objetivos e universais que se apliquem a um grupo organizado numa cultura ou civilização) veio da América, pela mão do filósofo Gilbert Harman, tenho de ir atrás desse senhor e ser como ele? Não, não vou por aí! E não vou por aí, pela simples razão de que ninguém é juiz em causa própria: nemo iudex in causa sua. 

Só porque a agenda Woke (ideologia que vê nos géneros masculino/feminino construções sociais e não biológicas, que reconhece uma grande pluralidade de identidades sexuais, que defende o aborto e combate todo o tipo de preconceitos e discriminações) também veio da América, tenho de ir outra vez atrás dos americanos? Não, não vou por aí! E não vou por aí, pela simples razão de que para mim a sexualidade continuará a ser binária, ainda que manifeste compreensão e respeito pela complexa problemática da disforia de género.

Só porque a ideologia de género (corrente de pensamento que, entre outras coisas, defende que não se nasce homem ou mulher, e que cada um se autodetermina si mesmo) veio de França, pela mão de Simone de Beauvoir, tenho de ir atrás dessa senhora e ser como ela? Não, não vou por aí! E não vou por aí, porque os problemas associados à identidade e autodeterminação de género devem ser abordados de modo personalizado e digno por equipas multidisciplinares altamente qualificadas, caso a caso, sem que se transformem em causas sociais fraturantes para proveito de partidos políticos ou organizações não-governamentais, conforme se vai vendo nas aparatosas, e nem sempre edificantes, paradas do chamado «orgulho gay».

A contracultura que varre a civilização ocidental obrigou-me a reler, mais uma vez, a Antígona, de Sófocles: «Um mortal não pode sobrelevar os preceitos não escritos e imutáveis dos deuses. Porque esses não são de agora, nem de ontem, mas de sempre, e ninguém sabe quando surgiram.» Pobre Sófocles, que já ninguém o lê!

Fernando Pinheiro

Fernando Pinheiro

27 janeiro 2024