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A mística do arado: sermos sonhadores apaixonados 1

O sacerdote Adelino Ascenso, da Sociedade Missionária da Boa Nova, foi o orientador do retiro do clero de Braga, no Seminário da Silva, em Barcelos, de 15 a 21 de Janeiro.

 Nascido numa aldeia da diocese de Leiria, filho de agricultores, começou por recusar um convite para entrar no seminário, aos 11 anos. Com 14 anos, foi para Lisboa e foi trabalhando e estudando à noite. Desde bem cedo sentiu forte atração e vocação para pintura, bem como para a música. De 1976 até 1984 esteve na Alemanha, onde estudou a língua a ponto de lhe permitir ser professor e intérprete, ao mesmo tempo que pintava e ia organizando exposições de pintura, bem sucedidas, cujos proventos lhe permitiram tentar responder à inquietação que o espicaçava, demandando o continente asiático, conhecendo o budismo e o hinduísmo, passando cerca de um ano num mosteiro budista, onde, aliás, decidiu regressar a Portugal e entrar no Seminário de Valadares, em 1991, com 37 anos de idade. Levava ainda com ele a experiência de estadias no Brasil e outros países da América Latina, bem como de África, mormente a de língua portuguesa.

 Após 7 anos de formação mais próxima para o sacerdócio, que, entre outras coisas, o obrigaram a ter de fazer exame a 20 disciplinas para conseguir equivalência e poder entrar na Faculdade de Teologia, foi ordenado sacerdote em 1998. Dois meses decorridos, foi convidado a ir para o Japão. Os 2 primeiros anos foram para aprender a língua nipónica, pois que, sem o seu domínio, não se consegue evangelizar nesse tão desafiante como culturalmente rico país. A experiência tida nessa permanência contínua de 6 anos, trabalhando também em paróquias, foi algo que o marcou profundamente, como bem se reflete num dos seus livros cujo título escolhi para a primeira parte do texto de hoje: «A mística do arado», tendo como subtítulo: «A Busca de um Deus possível».

 De 2004 a 2008, estudou Teologia na Universidade Gregoriana, em Roma, e elaborou uma tese de doutoramento sobre a obra do japonês Shusaku Endo. Regressou ao Japão e, entre outras actividades, foi professor na Universidade Católica de Osaka, desenvolvendo também trabalho pastoral em paróquias e sendo responsável pelo diálogo inter-religioso na Arquidiocese de Osaka. Nesse período – 2009 a 2014 –, realizou numerosos cursos, seminários e conferências sobre Shusako Endo e participou em vários debates de âmbito inter-religioso.

 Em 2014, foi eleito para Superior-Geral da Sociedade Missionária da Boa Nova, a que se seguiu a escolha para presidente da CIRP - Confederação dos Institutos Superiores Religiosos de Portugal– sendo 38 os masculinos e 100 os femininos. Tem publicado vários ensaios e artigos em português, inglês e japonês.

 O cardeal Tolentino, que conviveu com o padre Adelino nos tempos de estudo em Roma, prefacia o livro: «A Mística do Arado – A Busca de um Deus possível», dando este testemunho: «Ao longo da leitura deste livro, pensei muitas vezes naquilo que escreveu Fernando Pessoa: ‘O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis’. E só havia uma razão para que me recordasse dessa frase: a certeza – que seguramente será agora partilhada por cada leitora, por cada leitor – de que A mística do arado. Busca de um Deus possível é um desses raros livros inesquecíveis que nos fazem olhar para a vida como se fosse a primeira vez».

 Não admira que tenha fascinado os 34 sacerdotes que tivemos a felicidade de participar neste singular Retiro que contou também com a presença do arcebispo Dom José Cordeiro na eucaristia de encerramento e no almoço partilhado. Mais uma feliz coincidência, pois ambos conviveram no Colégio Português, em Roma.

 Em Maio, dentro das habituais acções de formação do Clero, virá a Braga falar e conviver com os sacerdotes e diáconos que responderem positivamente ao convite.

 Espero desenvolver algo mais algumas das singulares e pertinentes reflexões deste sacerdote, com uma experiência de vida tão interpelante que deixou de pintar e de tocar violino, para pintar e tocar os corações com a palavra incarnada, lavrada e vivida que é a sua vida e o seu testemunho.

Carlos Nuno Vaz

Carlos Nuno Vaz

27 janeiro 2024