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No bazar eleitoral

Portugal, inícios de 2024, o que nos move e preocupa. Nos próximos tempos, no radar noticioso, a par das guerras em curso pelo Mundo – as que mais nos afetam, como em Gaza ou na Ucrânia –, ou ainda do que se passa na Europa e nos EUA, seremos colocados perante as percentagens veiculadas por múltiplas sondagens relativas ao próximo ato eleitoral em Portugal. De permeio, saltarão para a ribalta informativa as persistentes fragilidades do país, quase endémicas, nos domínios da saúde, ensino, habitação e salários.

Noutro plano, erosivo para o prestígio da res publica, emergem na praça pública, demasiadas vezes, notícias de “investidas” policiais e do Ministério Público visando o “cerco” à corrupção ou práticas afins no exercício de cargos políticos ou de maior responsabilidade na administração pública, como justamente sucede quando escrevo esta crónica. Depois de personagens conectadas com o atual governo da República, em outubro, a Madeira, ao mais alto nível autárquico e governativo (PSD), e outras autarquias do país são agora o foco de notícias deste teor. O partido Chega não podia almejar melhor pré-campanha eleitoral.

As mais recentes sondagens assinalam uma penalização dos dois maiores partidos, PS e PSD (agora diluído temporariamente na nova AD), aparentemente de modo mais acentuado no caso deste último. E todas vaticinam uma acentuada subida da votação no Chega, a 10 de março, um partido que tem veiculado um discurso fortemente ancorado no protesto. 

Há muita insatisfação no ar. A saúde, de difícil acesso, desassossega, a escola pública, aflita no recrutamento de professores, preocupa, os salários baixos envergonham quase todos, a carga fiscal oprime, e a habitação, à qual demasiados jovens, e não só, não vislumbram acesso na condição de proprietários ou mesmo de inquilinos, origina frustração, desalento ou raiva maior. Neste último caso, o problema resultará também do facto de as novas casas colocadas no mercado (poucas) serem agora melhores – e logo mais caras – do que as construídas anos atrás, pode ceder-se com bonomia. Mas o facto é que o acesso à habitação está a ficar crescentemente elitizado entre os nativos, ou reservado para estrangeiros endinheirados, face ao nosso padrão de rendimentos. Tudo reflexo do facto de sermos um país com demasiadas pessoas remuneradas por um salário mínimo exíguo, e com uma progressivamente enfraquecida classe média, desprezada pela política dos últimos governos de António Costa.

Nos programas dos partidos, saem, entretanto, propostas várias para atenuar estas maleitas sociais, umas mais credíveis, outras lançadas no “bazar eleitoral” com despudor e sem verosimilhança financeira (pensão mínima igual a salário mínimo, a médio prazo).

Atenta a enorme massa eleitoral que representam, os reformados e pensionistas mantêm-se alvo da maior sedução pela generalidade dos partidos.

 Já os jovens, porque em progressiva quebra percentual no conjunto da população, nos últimos anos têm visto diminuir o seu charme perante o poder político. O país tem menosprezado aqueles que, com formação acrescida, mais poderiam contribuir para aumentar a produtividade. Agora, necessariamente, são prometidas medidas mais amigáveis para os jovens, de teor fiscal designadamente, antes que “fujam todos”.

A política de habitação tem de ser necessariamente reformada, com estímulos credíveis e apetecíveis para a construção e arrendamento e até, eventualmente, com limitações na compra para não residentes habituais. 

E todos os partidos se proporão baixar o IRS para a maioria dos eleitores.

Somos um país com uma economia aberta e, por isso, sujeita a flutuações conjunturais imprevisíveis. Mais ainda quando o nosso crescimento económico recente tem sido excessivamente ancorado no turismo, volátil por natureza. Sendo tantos os problemas, ainda assim, resistindo, só nos resta acreditar em melhorias globais no médio prazo. Sobre a estabilidade política no pós-10 de março, aguardemos com moderada, quiçá fria, expectativa. 

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

26 janeiro 2024