Estão praticamente fechadas as listas com que os partidos políticos se vão apresentar às próximas eleições legislativas de 10 de Março. E mais uma vez o regime jurídico sob que vai decorrer a pugna eleitoral continua a ser assaz limitativo do poder de escolha dos eleitores e a não permitir uma responsabilização directa e personalizada dos eleitos. E não devia ser assim, em nome da liberdade e da democracia que a Revolução dos Cravos consagrou e institucionalizou e dos vários mitos que diversas experiências históricas, nacionais e europeias, se encarregaram de desfazer.
Como se pode aceitar que, num regime democrático, os eleitores possam escolher um primeiro-ministro e quantos deputados cabem a cada partido, mas não também os seus deputados?
Como se pode compreender e concordar que, numa democracia consolidada, vigore um sistema eleitoral despersonalizado que impõe um regime de listas partidárias fechadas e bloqueadas, que nega aos votantes o poder de determinar quais os candidatos que são efectivamente eleitos?
Como entender e admitir que, numa democracia madura, sejam as chefias ou os directórios partidários a decidir quais os candidatos a deputados que vão em lugar elegível, subtraindo às assembleias dos partidos do respectivo círculo eleitoral o poder de selecionar e ordenar os candidatos a apresentar a sufrágio?
Como é possível acreditar na sinceridade de políticos que, publicamente, se queixam do alheamento dos cidadãos em relação à gestão da coisa pública e dos altos níveis da abstenção eleitoral, mas que teimam em manter em vigor um sistema que afasta os eleitores dos eleitos, quando é certo que, desde a revisão constitucional de 1997, a Constituição da República (artº 149º, nº 1) permite a introdução de factores de personalização do mandato, através da criação de círculos uninominais de candidatura e círculos plurinominais de apuramento, geograficamente delimitados, garantidos que sejam o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão de votos em número de mandatos?
Estas e outras semelhantes questões reclamam uma reflexão séria e uma resposta urgente, sob pena de conivência com um centralismo partidário retrógrado que, na prática, vem castrando a democracia política e a liberdade cidadã.
Aliás, não deixa de ser sintomático que, entre os 27 países que integram a União Europeia, só dois – Portugal e Espanha – mantenham, em eleições legislativas, sistemas de listas fechadas e bloqueadas.
Percebe-se que, tratando-se de dois países que, em datas muito próximas (1974/1975), saíram de regimes ditatoriais, houvesse a preocupação e a necessidade de elaborar um regime jurídico-eleitoral que discriminasse positivamente os partidos nascentes, conferindo-lhes amplos poderes na feitura das listas eleitorais em detrimento das opções concedidas aos eleitores.
Porém, volvidos quase cinquenta anos sobre o 25 de Abril e com uma democracia consolidada, nada justifica que não se amplifique a liberdade de escolha dos deputados, tanto mais que, como se disse, através da citada disposição constitucional, se abriu ao legislador ordinário a via da criação de círculos uninominais.
E o trabalho legislativo sobre tal matéria está hoje muito mais facilitado pela existência de propostas de lei e projectos-lei do PS e do PSD que ficaram pelo caminho, de programas eleitorais partidários, de projectos de códigos eleitorais, de inúmeros estudos e modelos de direito comparado e de análises estatísticas com base em resultados das várias eleições legislativas realizadas em Portugal desde 1975 – data das primeiras eleições para a Assembleia Constituinte.
Seja qual for o modelo de base que venha a ser adoptado – e, geralmente, são apontados como mais adequados à nossa realidade política os sistemas alemão, dinamarquês e britânico – e garantidas que sejam as vigentes condições constitucionais, o fundamental é acabar de vez com o monopólio partidário e com a inaceitável compressão do direito dos cidadãos na escolha personalizada do seu representante parlamentar.
Por mim, propendo a aceitar um regime baseado no modelo alemão, com círculos uninominais, círculos de apuramento proporcional, correspondentes ao território dos distritos ou das áreas das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional ou futuras áreas das regiões administrativas e um círculo nacional (virtual) de compensação, que permita aos eleitores que, com um primeiro voto, escolham o seu deputado e, com um segundo voto, escolham o seu partido preferido. O círculo nacional virtual, para eleição de um número restrito de deputados, entre 15 e 30, terá uma dupla função: uma parte, compensar os deputados supranumerários eleitos uninominalmente acima da quota territorial do respectivo partido; outra parte, corrigir as distorções de representatividade e (ou) quebras de proporcionalidade que possam ter ocorrido a nível nacional na votação obtida por cada partido ou coligação.
Deste modo, creio que se obterá, de forma proporcional e satisfatória, um justo equilíbrio entre os interesses dos cidadãos eleitores, da afirmação das diversas correntes político-ideológicas e da representação territorial, reforçando-se a colegialidade e a democracia interna.
Em tempo de comemoração do cinquentenário do 25 de Abril, não será este um meio simples e eficaz de cumprir um dos objectivos fundamentais do movimento – democratizar?!