Num recente comentário televisivo, o jornalista Ricardo Costa referiu que, ao contrário de anos anteriores, desta vez não seria a economia a determinar o vencedor a 10 de março, mas sim o capital de confiança que os líderes dos maiores partidos conseguirem no eleitorado. Não concordo. Nunca como nas próximas eleições vão estar em confronto visões opostas quanto ao peso da participação pública ou privada da economia e os valores ideológicos.
Desde o 25 de novembro de 1975, a governação foi sucedendo entre o centro direita do PSD e a esquerda ponderada do PS. Embora o PSD tivesse programas de menos Estado na economia, os empresários passaram tranquilamente de Mário Soares para Cavaco Silva, deste para Guterres e a seguir para Durão Barroso/Santana Lopes. A situação mudou quando António Costa teve que juntar-se à extrema esquerda para governar, fazendo cedências como o fim de PPPs de sucesso. Mas nunca foi um radical e a sua força política pessoal e a capacidade de navegar por ventos e mares, permitiu-lhe evitar males maiores no mundo da dinâmica empresarial.
As próximas eleições, segundo indicam as sondagens, não serão só entre os dois partidos do arco de governação, mas sim de dois blocos, um que vai do centro direita à extrema direita e outro desde o centro esquerda até à extrema esquerda. Consoante quem ganhe, teremos mais Estado na economia com reversões de privatizações, o Estado a gerir empresas, por força da pressão da estrema esquerda ou mais abertura à iniciativa e propriedade privada, podendo perder-se alguma sensibilidade social, por pressão da extrema direita.
É errado pensar que a questão da apropriação privada vs. apropriação coletiva nasce em 1848 com o “Manifesto” de Marx e Engels. Como faz notar Meneses Cordeiro, ao longo da História, sucederam-se mutações sociais e revoluções que visaram alterar o fiel da apropriação privada ou, até, pôr-lhe cobro, em nome de uma apropriação coletiva. No plano das ideias, assinala-se o confronto entre Platão e Aristóteles. Platão, pela boca de Sócrates, defendeu, na República, a ideia de uma propriedade comum de certos cidadãos sobre os bens. Aristóteles responde na “Política”, aponta as vantagens da propriedade familiar, contra a comunhão de bens e defende, ainda, uma diferenciação material, na base das funções e dos méritos. Torna-se muito significativo assinalar que os grandes temas da propriedade coletiva versus propriedade privada, que dilaceraram o século XX, já haviam sido equacionados, há dois mil e quinhentos anos, pela dupla Platão/Aristóteles.
Os temas da propriedade privada têm enfoque em todos os domínios. Um caso onde se perceciona as diferentes visões da extrema-esquerda e da direita é a do arrendamento. O programa “mais habitação” do governo em gestão é paradigmático: o arrendamento forçado e o bloqueio das rendas, procurando solucionar questões no curto prazo, tornam-se, depois, de difícil reversão. As consequências são claras: mina-se a confiança dos investidores, limita-se ou suprime-se o mercado do arrendamento e bloqueia-se a realização de obras de manutenção. Baixam-se as rendas artificialmente por decreto, mas depois os proprietários nada gastam em obras e voltamos ao panorama de casas decrépitas. Costa, mais livre depois da demissão, mostrou sensatez ao permitir o aumento de rendas de acordo com os indicadores da inflação.
Também no plano ideológico e dos valores vão se acentuar as diferenças. Mais liberdade de abortar, reforço das teses de igualdade de género, incremento das barrigas de aluguer e da eutanásia, por exigência da extrema esquerda e legislação anti-imigração e menor sensibilidade social por imposição da extrema direita.
O povo de uma nação que se habituou a viver ao centro político, num equilíbrio entre a fomentação do empreendorismo privado e a regulação e fiscalização pública e entre as mudanças sociais e a conservação de valores, passará por momentos de inquietude e insatisfação, suscetíveis de ainda mais reforçar as extremas. A História mostra que os experiencialismos das extrema esquerda e extrema direita deram péssimos resultados.
O povo parece triste e torná-lo feliz é tarefa de quem governa. Diz-se que O Hino à Alegria de Schiller que Beethoven adaptou para o quarto andamento da nona sinfonia, era para intitular-se Hino à Liberdade. Prefiro aquela. Pode haver liberdade sem alegria, mas não existe alegria sem liberdade!