Há um cartaz socialista que apresenta uma fotografia do actual secretário-geral socialista com a inscrição "Portugal Inteiro". Se lá estivesse escrito o nome da pessoa ali apresentada ainda fazia algum sentido. Como foi concebido o cartaz é que não, não diz nada. Nem esse é o nome do apresentado, nem o apresentado representa o país inteiro. Longe disso! Tenho para mim que Pedro Nuno Santos pode ter ganho internamente as eleições no Partido Socialista, mas não conquistou o país. Colado à TAP como está, não vai conseguir desenvencilhar-se da milionária indemnização a uma alta funcionária que deixou que acontecesse, ainda para mais concedida de forma indevida. Nem vai safar-se da questão mais recentemente colocada de ter escolhido uma figura para a mesma empresa sabendo que a própria continuaria a administrar outras empresas, em clara violação do estatuto do gestor público em Portugal. Pedro Nuno sabia e não colhe a justificação de que há juristas com pareceres diferentes. Na dúvida, devia ter evitado o que deixou que acontecesse. De facto, foi com leveza e com enorme leviandade que a referida indemnização foi autorizada. E foi com irresponsabilidade que atentou contra a lei. Ora, isso marca indelevelmente os responsáveis e o ex-ministro das Infraestruturas não pode, a nenhum título, demitir-se desse comportamento.
A oposição não vai esquecer de usar a situação para atacar quem demonstrou não dar garantia aos cidadãos de que sabe gerir os dinheiros públicos e de que é uma referência no cumprimento da lei. Como se isso não fosse pouco para lhe retirar a honorabilidade na sua candidatura ao cargo de primeiro-ministro, não se pode esquecer que o ex-ministro das Infraestruturas fez parte de um governo que promoveu a injecção de um balúrdio de dinheiro do erário de todos nós na TAP – 3200 milhões de euros! –, com o objectivo de a nacionalizar e que acabou por chegar à conclusão de que, afinal, a solução era mesmo a privatização da empresa. O candidato socialista a primeiro-ministro já veio dizer que não quer privatizar a empresa, agora que está fora do governo e pretende chegar lá como chefe do futuro Executivo. Para quem viu com maus olhos a injecção de tanto dinheiro na empresa – e foram muitos –, não vai confiar em alguém que quer insistir num erro de palmatória que correligionários seus, comandados por António Costa, já detectaram e os levou a inverter a decisão que foi a teimosa nacionalização da companhia aérea. Para além do mais, não há garantia – quem a pode dar? – de que um hipotético novo governo socialista chefiado por Pedro Nuno Santos não vá continuar a subtrair mais dinheiro público das necessidades críticas dos cidadãos para o meter onde não deve, apenas porque sim, na TAP ou noutro projecto qualquer. É muito fácil usar e abusar do dinheiro quando é público a coberto da prerrogativa que o poder oferece. Menos fácil é gerir bem o que é de todos e é de alguém que faça bem esse trabalho que o país precisa.
Portugal Inteiro sabe que sem predicado não vai longe e que pode até perder-se. A candidatura de Pedro Nuno não tem esse predicado e mesmo que o tivesse faltar-lhe-ia ainda o outro predicado, o da acção, que o referido cartaz não mostra. Decidir não é tudo, é preciso que se decida bem, com equidade e tento, e no respeito pela lei.
Há ainda um outro aspecto a considerar quando se escolhe um alto responsável. Ele ou ela não devem sofrer de amnésia, sobretudo, em assuntos importantes. Se, à partida, escolhemos alguém que já deu provas de que se esquece facilmente do que autoriza, estamos a avalizar todos os esquecimentos futuros, desde as promessas feitas em campanha eleitoral até outras decisões tomadas enquanto primeiro-ministro. O melhor, por precaução, é não corrermos esse risco. E a verdade é que as alternativas disponíveis são muitas. Como lembrou Saramago, e o meu amigo Sérgio Norte trouxe à baila numa publicação recente no facebook, "O tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias". E Sérgio Norte conclui: "É como se o tempo tivesse apagado os conceitos de análise e crítica [...] É urgente usar as capacidades do pensamento crítico, como mecanismo de avaliação à credibilidade da informação e à verdade". Ora bem, como Portugal Inteiro sem predicado não vai a lado nenhum, o melhor é usarmos o nosso pensamento crítico para escolhermos bem. Não fiquemos pela reflexão apenas do dia anterior ao acto eleitoral.