Celebra-se no próximo sábado, 27 de janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto1, uma efeméride criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, mediante a Resolução 60/7, Holocaust Remembrance, de 1 de novembro de 2005. Trata-se de um documento que, por um lado, incentiva a mobilização da sociedade civil para a memória e a educação sobre o tema, no sentido de prevenir futuros atos de genocídio; e, por outro, rejeita qualquer tipo de negação do Holocausto.
A escolha deste dia prende-se com o facto de ter sido a 27 de janeiro de 1945 que ocorreu a libertação do principal campo de concentração nazi, Auschwitz-Birkenau, localidades situadas a cerca de sessenta quilómetros da cidade polaca de Cracóvia. Quando o Exército Vermelho (União Soviética) aí chegou, na tarde desse dia, deparou-se com uma forte resistência do exército alemão. Morreram 231 soldados soviéticos, mas foram libertados cerca de oito mil prisioneiros, a maioria em deplorável situação sanitária física e psicológica.
Para assinalar este dia, entre outras iniciativas, o Secretário Geral da ONU publica, em cada ano, uma mensagem e têm lugar diversas cerimónias de homenagem às pessoas falecidas no Holocausto. A Comissão Europeia, a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA)2, a ONU e a UNESCO criaram até a campanha Protect the Facts, como forma de combater o negacionismo e a desinformação em relação a este acontecimento que a história documenta e, por isso, não deixa negar.
Em todas as partes do mundo, é costume os governos, as escolas, as associações jurídicas e outras instituições realizarem palestras e exposições, com o objetivo de fazer com que o horror nazi não caia no esquecimento, evitando assim que se repita. É o que, ano após ano, também acontece em Portugal, nas escolas, nos municípios e noutras instituições que dão corpo e rosto a esta causa.
O objetivo desta efeméride é duplo: servir como data anual de homenagem às vítimas do regime nazi; promover a educação sobre o Holocausto em todo o mundo. O primeiro pretende contribuir para que não se esqueça o genocídio de seis milhões de judeus, a par de alguns milhões de ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais e opositores do regime (sobretudo, intelectuais), num dos maiores crimes, de que há memória, contra a Humanidade. O segundo destina-se a educar para a tolerância e a paz, assim como a combater o antissemitismo.
Sou particularmente sensível a este tema, desde que, há quase duas décadas, visitei o Memorial Yad Vashem3, em Jerusalém, assim como o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polónia. Em data mais recente (julho de 2022), tive a possibilidade de fazer a visita ao campo de concentração de Dachau, perto de Munique. A sensação foi sempre a mesma: vergonha por tão hediondo genocídio, incredulidade face à malvadez humana, reprovação de tão ignóbil atitude e vontade firme de que não mais se repita.
Se não se compreende nem se aceita o horror nazi, menos se compreende e aceita que, depois deste e de outros procedimentos do mesmo género, subsistam as ideias racistas, xenófobas e antissemitas. Além disso, não se compreende nem se aceita que haja ainda quem pretenda negar o acontecimento, por dois motivos: primeiro, porque, contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o mais elementar bom senso, se nega a dignidade da pessoa e, segundo, porque se pretende anular a veracidade da história. Perante isto, a nossa reação terá que ser ainda mais enérgica, decidida e destemida. Holocausto? Nunca mais!
Se a finalidade destes dias é “evocar o passado para prevenir o futuro”, esta tarefa é tanto mais urgente quanto mais o acontecimento se distancia no tempo e se percebe que o racismo, a xenofobia e, muito concretamente, o antissemitismo estão cada vez mais presentes no mundo ocidental. A guerra de Israel contra o Hamas torna o assunto ainda mais atual e premente: se não podemos concordar com os exageros e atropelos cometidos por um e por outro, também não concordamos que sejam aproveitados para fomentar o antissemitismo, o anti-islamismo ou para apagar esta triste página da nossa história.
1 O termo “holocausto” significa “todo queimado” e remete para os sacrifícios, no Templo de Jerusalém, em que a vítima era inteiramente consumida pelo fogo (cfr. Lv 1; Nm 28, 3-4). Alguns milhões de judeus foram inteiramente queimados, nos fornos crematórios dos diversos campos de concentração. O termo hebraico usado para designar o Holocausto é Shoah, “catástrofe”.
2 Membro de pleno direito desta Aliança, Portugal compromete-se com o reforço da promoção da educação, investigação e memória sobre o Holocausto e honra o seu compromisso com inúmeras atividades.
3 A expressão é retirada de Is 56, 5 e significa “um monumento e um nome”.