A democracia implica comportamentos coerentes com os valores democráticos, logo, no exercício de actividade de um actor político não deve entrar nada de prepotência, de promessas que sabe não poder cumprir, de mentira, nem a procura do interesse próprio. E quem governa deve escutar, sendo que escutar não significa apenas ouvir com os ouvidos, mas também acolher a mensagem e integrá-la na sua actividade do dia-a-dia, ou seja, o que se escutou não fica para arquivo, mas terá desenvolvimento imediato na acção de quem tem responsabilidade. A obrigação de escutar não é só do governo, mas também do parlamento e dos partidos políticos.
A escuta está longe de ser efectiva e nenhum dos partidos que nos guiou se responsabiliza por aquilo que fez mal ou simplesmente não fez. Antes, são especialistas no exercício de atribuir culpas a terceiros e pintar de branco as suas. Temo-nos enganado, embora muitos de nós também não o queiramos admitir. Temos andado muito contemplativos e demasiado pegados à ideia de que só alguns é que têm capacidade para lidar com os destinos do país.
O exercício da actividade política devia ser decorrente de uma verdadeira vocação. Os nossos representantes seriam livres o suficiente e estariam disponíveis para atender os apelos dos seus concidadãos. Infelizmente, não é assim. Nem se conseguem libertar de interesses próprios nem encontrar tempo para escutar, de coração aberto, o que se passa realmente com a vida dos cidadãos. Até podem aflorar que tencionam resolver o problema de determinada franja da população, mas perdem-se em miudezas e descuram o problema. O resultado, dizem as estatísticas, é que a população com o problema aumenta em vez de diminuir e a erradicação, que era a promessa, fica adiada. Um dos recentes casos é o fenómeno dos sem-abrigo, com promessas que não passaram disso mesmo. Por isso é que a actividade política tem sido mal vista, sobretudo, nos tempos que correm. E estranha-se que outros actores políticos se apresentem na cena partidária e se afirmem no mercado dos votos?
Decorreu no último fim de semana a convenção de um desses partidos que tem ganho fulgor. Talvez não o suficiente para liderar um governo, mas que tem feito pensar os maiores isso é real. Pode ser acusado de fazer propostas difíceis ou impossíveis de realizar, mas não é isso que os que nos têm governado fazem há décadas? Há quanto tempo a data de arranque da linha ferroviária de alta velocidade foi marcada pelos governos que passaram por São Bento? Não têm mentido tantas vezes? Não têm feito promessas que nunca foram cumpridas? Se algumas daquelas propostas não forem exequíveis, ao menos são uma pedrada no charco em que se encontra a governação.
Quer se goste ou não, a referida convenção agitou as águas da pré-campanha para as eleições de Março e colocou o acento tónico em algumas feridas que já vêm de longe, embora se possa dizer que alastraram significativamente nas duas últimas décadas e com contornos preocupantes: a corrupção, por passarem a ser visados alguns dos mais altos responsáveis do país, e a economia paralela, por usurpar das receitas do Estado, segundo as estimativas, que não de agora, muitos milhares de milhões de euros que dariam para suprir o financiamento de tantos projectos, alguns dos quais agora gozados exactamente por aqueles que durante décadas têm tido o poder nas mãos para debelar as feridas expostas e não o fizeram. E quando não se mexe em feridas como as enunciadas, elas tornam-se chagas necrosadas a precisar de tratamento excepcional. Tem faltado quem, ao menos, diga em voz alta o que se passa e sensibilize para a necessidade de abraçar o desafio. Os valores estimados são de uma grandeza tal que dariam para uma verdadeira revolução na vida das pessoas. Será que não devemos ficar apreensivos com o que se passa? Que procuramos?