Embora já esteja a decorrer o novo ano há alguns dias, na nossa memória ainda existem muitas recordações da gente amiga ou familiar que nos desejou um 2024 cheio de felicidade e de prosperidade. Ninguém – suponho e, creio que suponho bem – nos deixou um voto negativo, nem sequer aquelas pessoas com quem temos relações mais melindrosas.
Não parece difícil expressar os nossos votos de Boas Festas. É possível que, em algum caso concreto, nos tivesse custado um pouco mais fazê-lo, tendo em conta situações de pessoas, cujos comportamentos não foram particularmente agradáveis. De qualquer maneira, se cumpriram, com educação e bons modos, os agradecimentos aos votos a que nos referimos, neles podemos descobrir uma forma de as nossas relações voltarem a ser mais amistosas ou, pelo menos, menos desagradáveis.
Recordo de alguém que, depois de uma série de conflitos e de desentendimentos com um companheiro de profissão (eram ambos entre si velhos e grandes amigos), algum tempo antes do Natal, ao despedir-se dele - e porque tinha uma tarefa laboral que o obrigava a deslocar-se ao estrangeiro com regresso de avião apenas no dia 25 de Dezembro ao fim da tarde - disse-lhe: “Apesar de tudo (referia-se, como é óbvio, às impaciências e vozes mais elevadas que tinham travado entre os dois), desejo-te, para ti e para todos os teus, um Santo Natal e muito Boas Festas”. O seu companheiro como que estremeceu, meio atordoado, com as palavras que ouvira, respirou fundo, acalmou-se por fim, e respondeu: “Muito obrigado! São esses os meus votos também que te desejo. E mais! Apesar das irritações de há pouco, para as acalmarmos, aqui vai um grande abraço!” E concretizou-o com afabilidade, levando o colega a observar: “Com isto, fazemos as pazes...”
Algum tempo depois, do estrangeiro, já muito perto do dia de Natal, o autor do abraço, recebeu uma chamada telefónica do companheiro: “Só para agradecer-te o “abração” que me deste, antes de eu partir. Fez-me muito bem! E pensei que devia retribuir-to...!” O outro ficou penhorado com a iniciativa. E respondeu, com emoção e simplicidade: “Muito obrigado!”. Do outro lado, ouviu qualquer coisa que não percebeu. Surpreendido, perguntou: “O que disseste, que não sei o que é?” “Dei-te as Boas Festas na língua do país onde estou. Acho que é assim. Mas se não for, que prevaleça a intenção...!” O colega respondeu-lhe qualquer coisa que o outro não entendeu. “O que disseste agora?” “Dei-te as Boas Festas em húngaro, que recordo ainda, pois por esta altura do ano que está a terminar, por razões de trabalho, estive em Budapeste... Pode ser que não estejam bem ditas, mas faço o que posso...”. O outro riu-se, agradeceu e, quase ao mesmo tempo, repetiram, desta vez em português: “Santo Natal! Boas Festas!” Os telefones foram desligados e cada um seguiu o seu caminho.
No dia 25 de Dezembro já depois do jantar festivo com a sua família, o que recebeu o telefonema do companheiro de profissão resolveu entrar em contacto com o velho amigo, como forma de mostrar, mais uma vez, a sua gratidão pela atenção que tivera consigo. Aliás, sempre o contactava nesta data. Seriam mais ou menos dez horas da noite. Ligou o número do telemóvel, sem obter qualquer resposta. Insistiu várias vezes, mas o resultado foi sempre nulo. Surpreendido, disse à sua esposa. “Tentei telefonar ao João e não me atende. O telemóvel toca, mas não dá qualquer resposta... Não percebo...”. A mulher comentou: “Se calhar, para que não o incomodassem na festa natalícia com a sua família, desligou o telemóvel. Não te preocupes, Manuel”. O marido encolheu os ombros, sem saber o que dizer. Mas lembrou-se. “Eu tenho o telefone da casa dele. Vou ligar para aí”.
A chamada não foi imediatamente atendida. Demorou bastante tempo, pelo que desligou novamente o seu aparelho. Estranhou a situação. Insistiu de novo, mas o efeito foi o mesmo. À terceira tentativa falhada, lembrou-se de que tinha o número do telemóvel da filha mais velha do seu amigo João. E resolveu-se a falar-lhe directamente. Tentou... Esteve bastante tempo à espera duma resposta sem qualquer resultado. E quando já ia desligar, novamente, o seu telemóvel, teve resposta, por fim, do outro lado. A voz da rapariga era estranha e pouco perceptível. Por fim, acalmou e, soluçando tristemente, explicou que o pai tinha falecido repentinamente, com um ataque cardíaco, mal havia chegado a casa da viagem ao estrangeiro... Ficou atónito e sem saber o que dizer. A sua interlocutora quebrou o silêncio, explicando: - O pai, já perto da sua partida para a outra vida, lembrou-me que, como era costume nesta noite, se o seu amigo Manuel telefonasse a desejar um Santo Natal e Boas Festas, que eu lhe agradecesse e retribuísse da sua parte os mesmos votos. Foram as suas últimas palavras...”