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Até na oração falta silêncio

O viajante do «País da Manhã» – descrito na obra notável de Hermann Hesse – confessa que «não vem para dar lições», mas «para aprender».
Sucede que, hoje, são muitos os que alegam terem mais para ensinar do que para aprender. É por isso que há mais discussão do que escuta, mais presunção do que sabedoria, mais ruído do que silêncio.

 


Até acerca de Deus, há muitos «sabedores» que O ofuscam com palavras em turbilhão. E em vez do «silêncio para com Deus», atrevemo-nos a teorizar sobre o «silêncio de Deus».
Pudera. Nem sequer nos damos ao trabalho de O atender quando Ele bate à nossa porta e chama (cf. Ap 3, 20).

 


Orar é falar com Deus. Mas a prioridade há-de ser deixar que Deus nos fale. Para orar, é indispensável escutar: o Deus que fala e inclusive o Deus que cala.
Não esqueçamos que Deus tanto nos interpela nos «gritos da Cruz» (cf. Mc 15, 34.37) como no «silêncio de Sábado Santo».

 


É, pois, hora de perceber – como percebeu Caetano Veloso – que «precisamos de aprender mais de Deus».
No fundo, pouco podemos dizer sobre Ele. Daí que já Ângelo Silésio – que assim pensava – defendesse que Lhe oramos melhor «se o fizermos em silêncio».

 


Ressalve-se que o silêncio não consiste na mera ausência de palavras. 
Isso é mutismo, ao passo que o silêncio reside na criação de condições para a escuta.

 


Em cada dia, criamos espaços para o essencial: comer, dormir e conviver. 
 E, de facto, sem comer, dormir ou conviver, ninguém sobrevive cabalmente. Mas será que, sem silêncio, alguém subsiste sadiamente?

 


Na oração, compreendemos que não somos seres apenas para produzir. 
O silêncio orante desvenda que há momentos para os quais não temos de levar nada, nem a língua. O primordial na oração não é «fazer», mas «acolher».

 


Para tal, é imprescindível esvaziarmo-nos dos nossos desejos, imagens e pensamentos, incluindo os próprios pensamentos sobre Deus (Mestre Eckhart).
O decisivo na oração é deixar que Deus «aconteça». E que nós estejamos disponíveis para sermos atravessados pela Sua luz.

 


Assim sendo, o primeiro passo – como assinala John Main – «é aprender a desaprender».
Um grande serviço poderá ser não tanto a oferta de subsídios como preâmbulos, «powerpoints» ou intervenções muito palavrosas. O mais salutar é a quietude, que nos permite ver que orar é não só «estar com Deus», mas «ser em Deus».

 


O maior apoio de que carecemos é «o puro silêncio» que nos faz entrar no «oratório interior». Nele, é sobretudo Cristo que ora em nós. 
Há muitas formas de «cativar» para a oração. Falta, contudo, investir no silêncio, a via que até nos levará a ouvir o «eterno calar» de Deus!

João António Pinheiro Teixeira

João António Pinheiro Teixeira

16 janeiro 2024