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OS DIAS DA SEMANA Contra os “engenheiros do caos”

 

 

 

 

 

Ao autor de Os Engenheiros do Caos [1], um livro amplamente citado em 2023, ofereceu a revista francesa L’Obs toda a capa do primeiro número de 2024. As dez páginas dedicadas à entrevista com Giuliano da Empoli cumprem o propósito jornalístico de decifrar o mundo, enunciado no editorial assinado pela chefe de redacção. Diz-se na capa que Giuliano da Empoli é um “descodificador do caos”. A classificação é apropriada. Não é o único, com certeza, mas são relevantes todos os que empreendem idêntica tarefa cívica.

Os “engenheiros do caos”, explica Giuliano da Empoli, “são empreendedores políticos – consultores, conselheiros, spin doctors, líderes – que adaptam a política ao funcionamento das plataformas digitais”. Estas, acrescenta o entrevistado, não se interessam pela verdade ou pela falsidade, nem pela coerência entre o que se diz hoje e amanhã. O que lhes importa é apenas reter a atenção e incitar reacções, sob a forma de “likes”, de partilhas ou de “posts”.

O que fazem os “engenheiros do caos” é instrumentalizar politicamente a lógica das redes sociais. Se para as redes sociais tanto faz que uma informação seja verdadeira ou falsa, boa ou má, de direita ou de esquerda, desde que atraia os utilizadores e os inflame, de igual modo, para os políticos, qualquer conteúdo serve, desde que seja mobilizador. Pode ser demagógico, mentiroso ou violento, desde que arregimente e excite. Os políticos referidos são Donald Trump e aqueles que o têm como patrono. Eles são o somatório da cólera e dos algoritmos, uma cólera que pode existir por razões económicas, sociais, culturais, mas que é atiçada e intensificada pelas redes sociais.

A matriz da política do caos é, portanto, a conjugação da raiva contra o sistema e do algoritmo que a manipula. Uma das propostas de Giuliano da Empoli é, em consequência, evidente: “É preciso lutar contra a ridícula submissão da política à tecnologia”.

Antes de Giuliano da Empoli, outros tinham já alertado para as consequências danosas que os algoritmos têm nas sociedades democráticas ao amplificarem as emoções mais extremadas e, particularmente, o ressentimento e o ódio – na quinta-feira, encontrava-se mais um importante aviso nas páginas da revista Visão quanto à nefasta influência do TikTok nos jovens, tido como “a máquina de fazer extremistas”.

Como L’Obs dá conta, há quem tenha já tirado as devidas consequências das advertências de Giuliano da Empoli. A presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, por exemplo, abandonou a rede social X (ex-Twitter) no final de Novembro do ano passado, com um óbvio prejuízo político, uma vez que contava com um milhão e meio de seguidores.

No derradeiro texto publicado no X [2], que obteve uma significativa repercussão mundial, a presidente da Câmara de Paris qualificou a rede social como um “gigantesco esgoto social”. Para Anne Hidalgo, “esta plataforma e o seu proprietário [Elon Musk] agem deliberadamente para exacerbar as tensões e os conflitos” e “obstruem deliberadamente a informação necessária ao advento da transformação ecológica e energética radical de que necessitamos, em benefício dos discursos cépticos das alterações climáticas, promovidos pelos interesses nos combustíveis fósseis e na predação ilimitada do planeta”. A presidente da Câmara de Paris considera que é possível continuar a negar a mentira, a desmascarar a falsidade e a explicar constantemente a realidade. No entanto, “o ruído engendrado pelas notícias falsas será sempre muito maior do que o eco de uma verdade fundamentada”.

Anne Hidalgo formula, a propósito, diversos pedidos. “Não nos enganemos. Trata-se de um projeto político muito claro que quer prescindir da democracia e dos seus valores em favor de poderosos interesses privados”. “Não nos deixemos intimidar por desestabilizações abjectas”. “Não deixemos que os ‘engenheiros do caos’ tomem conta do nosso destino”. “Não deixemos que as nossas democracias se desintegrem todos os dias nos nossos ecrãs”.

“Quando tudo escurece, devemos voltar-nos para a luz e para esses grandes espíritos que, em determinados momentos da nossa história, nos mostraram o caminho”, insta Anne Hidalgo, citando Martin Luther King: “Devemos aprender a viver juntos como irmãos, caso contrário morreremos todos juntos como idiotas”. Sugerindo-o de outro modo, Anne Hidalgo sublinha: “Confiemos uns nos outros e saibamos encontrar o caminho da democracia, da paz e da fraternidade”. Diz ela que “nós temos poder para isso”. E temos.

 

 

 

[1] Gradiva, 2023

[2] https://twitter.com/Anne_Hidalgo

Eduardo Jorge Madureira Lopes

Eduardo Jorge Madureira Lopes

14 janeiro 2024