A praga dos salários em atraso é uma peculiaridade bem portuguesa. Nos anos 80 do século passado, refletindo um mercado de trabalho pouco dinâmico, foram recorrentes as notícias sobre quem trabalhava, meses seguidos por vezes, sem receber. No tempo entretanto decorrido, até hoje, continuaram a vir a público relatos desta anomalia em Portugal – trabalhar sem receber – mas de forma mais esparsa, felizmente. Todavia, no momento presente, todos o saberão, são os jornalistas e demais trabalhadores do Global Media Group (DN, JN, Dinheiro Vivo, O Jogo e TSF) quem se converteu em notícia por este mesmo facto. Nas últimas semanas, têm vindo a trabalhar sem receberem a devida remuneração, ou seja, estão a pagar (deslocações, almoço, etc.) para trabalhar. Não serão, porventura, os únicos assalariados nesta situação nos dias que correm – e quem quer que viva esta situação só pode sentir mágoa, frustração ou raiva – mas são um grupo que nos deve merecer uma séria e particular preocupação, atenta a especificidade e importância da sua função.
Uma das marcas dos regimes liberais, emanação do pensamento iluminista, é a existência de uma imprensa livre (cuja paulatina emergência alimentou as próprias Luzes), fonte de informação e de formação dos cidadãos, alimento da cidadania.
Muito mudou, entretanto. No presente, as designadas redes sociais alargaram o universo dos difusores de informação ou opinião, democratizando-o. Todavia, não podemos esquecer que neste novo quadro de ampla liberdade também pululam muitas opiniões pouco responsáveis, pouco fiáveis, quando não potencialmente tóxicas. Assim, muito releva para a democracia que subsista uma alargada pluralidade de media profissionais “clássicos” (TVs, rádios, jornais, revistas), porque estes estão sujeitos a um escrutínio de maior exigência e responsabilidade.
Os leitores mais velhos, que tenham memória do Portugal dos alvores do regime democrático do pós-25 de Abril, recordam-se, decerto, dos muitos títulos da imprensa escrita entretanto desaparecidos (Século, O Jornal, Tempo, Semanário, República, O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto e outros). Mais recentemente, a pirataria através da internet manifesta-se como um dos maiores inimigos da solvabilidade da imprensa. Displicentemente, com uma ligeireza bem portuguesa, não faltam “generosos” difusores de pacotes da versão online de títulos diversos da imprensa portuguesa. As assinaturas online até assumem custos suportáveis, mas, se a gratuitidade é possível, porquê pagar? – pensam os utilizadores “piratas”.
O Estado tem de arranjar mecanismos, adotar leis, que protejam mais os media, e designadamente a imprensa escrita, através de apoios relevantes, sem os domesticar, porém. Apoios pontuais, como o que agora poderia valer aos trabalhadores do GMG, poderão configurar uma situação de privilégio para a má gestão, conforme considerou o ministro da tutela do setor no Parlamento, mas, ainda assim, alguma coisa deve poder ser feita para preservar títulos centenários, como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias. Sem o JN, do qual não sou habitual leitor, registe-se, o Norte do país fica despido da sua voz regional mais representativa na imprensa.
Aumentar significativamente a possibilidade de deduzir no IRS a compra ou assinatura de jornais e revistas (já vigora uma dedução, mas insignificante), no formato escrito ou online, pode ser um exemplo de uma medida positiva, ainda que os seus efeitos só possam sentir-se a médio ou longo prazo.
Não podemos, levianamente, encarar o definhamento acelerado da pluralidade dos media como uma espécie de marca da seleção natural aplicada à imprensa, e à sociedade, como algo incontornável e imparável, desmerecedor de angústias, e por isso sem importância.
Por alguma razão, ontem como hoje, os ditadores não gostam da imprensa livre. Exijamos. Façamos figas pela afirmação de uma imprensa livre, mas diversa e ampla, alimento incontornável da cidadania e da democracia!