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A demissão de António Costa e o MP

As razões invocadas por António Costa para a sua demissão de Primeiro Ministro gerou em vários setores do PS, a começar por Santos Silva (Presidente da A.R), inúmeros comentários, imputando à Procuradora Geral da República falta de democracia no exercício das suas funções. 

Importa recordar a omissão das questões da justiça nos programas eleitorais dos partidos, bem como a falta deste tema no debate público eleitoral. 

Porém, os constituintes de 1976, ao modelar o novo MP assegurou-lhe as condições necessárias ao exercício autêntico e livre das suas funções, nomeadamente a representação dos interesses do Estado e a defesa da legalidade democrática, com exatidão, objetividade e responsabilidade, sem receios de represálias ou desfavores ou ser coagido por pressões diretas ou indiretas ou solicitações de que algum poder político sempre tem a tentação de fazer uso. A atuação do MP na defesa da legalidade também não pode oscilar ao sabor das filosofias e opções políticas oportunísticas ou de conveniências táticas dos governos. No exercício da ação penal, preconizado constitucionalmente, não poderá o MP obedecer a outros comandos que não os que dimanam da própria lei e lhe sejam impostos pela sua consciência ética e profissional. 

No quadro constitucional atual, o legislador deixou vincadamente destacado que os magistrados do MP dependem exclusivamente, na ordem hierárquica, da Procuradoria Geral da República (PGR), orgão supremo do MP, sendo dirigida por uma individualidade (Procurador Geral) de nomeação e exoneração livres do Presidente da República, perante quem, obviamente, será exclusivamente responsável. E não têm qualquer fundamento válido os que defendem a vinculação do MP ao governo para lhe facultar um instrumento eficaz de prevenção e repressão da criminalidade. É que sendo a PGR o orgão definidor das grandes linhas estratégicas de atuação do MP e que devendo nele ter assento representantes da Assembleia da República, bem como dos vários escalões da hierarquia, como impõe as exigências da democraticidade interna, estabelecida na Constituição, por essa via, sempre o poder político poderá, respeitando a autonomia do MP, fazer ouvir as necessidades de ordem pública que determinem particulares formas de atuação do MP nesse domínio ou em qualquer outro. E sendo o MP uma magistratura responsável e hierarquicamente subordinada, é-o apenas nos limites que a própria Constituição estabelece, como sejam a rigorosa e estrita obediência à legalidade democrática, a objetividade, a imparcialidade e o dever de acatamento da verdade.

Muito recentemente, surgiram três intervenções na comunicação social, chamando a atenção para a necessidade premente de uma reflexão sobre a atuação interna do MP. Refiro-me à procuradora geral adjunta, Maria José Fernandes, que em artigo no Público afirmava, entre outras coisas úteis: “como se permitiu a criação de uma bruma de auto-suficiência totalmente nefasta e contrária ao que deve ser a qualidade e a excelência desta profissão”. A sua visão do reforço da autonomia do MP, mereceu-lhe a instauração de um processo disciplinar, certamente com gáudio da corrente conservadora do MP.

Outra voz digna de realce, com a mesma orientação pertence a Teresa Maria, magistrada do MP durante 30 anos e atualmente a exercer funções no STJ: “a hierarquia do MP tem de fazer um acompanhamento próximo dos processos, defendendo a necessidade de discussão e debate dentro do MP, pondo em causa o modelo atual, em que cada procurador é dono e senhor absoluto dos processos de que é titular”.

Outra voz também digna de registo pertence a António Cluny, procurador geral adjunto (jubilado) que há muito tempo vem tecendo severas críticas, defendendo a necessidade de uma reflexão e discussão interna dentro do MP.

A autonomia do MP é tão importante na realização de uma justiça isenta e imparcial que são cada vez mais os países a seguir estrutura organizacional idêntica.

Narciso Machado

Narciso Machado

10 janeiro 2024