Dias Perfeitos*, de Wim Wenders, é um belo filme para inaugurar o ano. Se se simplificasse bastante, dir-se-ia que é a narração do dia-a-dia de um homem que limpa casas de banho públicas de Tóquio. Dito assim, poder-se-ia supor que se está perante o retrato de um quotidiano demasiado banal para uma obra fílmica. Mas, de facto, é de uma vida extraordinária que se trata, uma vida em que o protagonista transforma momentos rotineiros em pequenos prodígios de alegria simples.
Dias Perfeitos, como o realizador contou, nasceu de um convite da Nippon Foundation para filmar um conjunto de curtas-metragens de ficção em Tóquio, de 15 ou 20 minutos cada, que exibiriam a singular arquitectura e design das casas de banho públicas em Tóquio que foram sendo inauguradas desde 2020, destacando a excepcionalidade deste projecto social público.
A ideia inicial, disse Wim Wenders, era encontrar uma personagem através da qual se pudesse testemunhar o carácter acolhedor da cultura japonesa, que faz com que as casas de banho públicas sejam pequenos santuários de paz e de dignidade. O cineasta, ao observar as imagens que lhe foram remetidas, considerou estar perante maravilhosos exemplos de arquitectura, mas a ideia das quatro ou cinco curtas-metragens não lhe agradou.
A alternativa acabou por ser Dias Perfeitos, uma preciosidade protagonizada por Koji Yakusho, no papel de Hirayama, que trabalha para The Tokyo Toilet. O argumento, escrito em parceria com Takuma Takasaki, mostra as novas casas de banho públicas como cenário de uma história em que o espaço público é considerado como um inestimável bem comum.
Hirayama, o protagonista, aprecia o ofício de limpeza, que, aliás, executa meticulosamente. A rotina não o exaspera. Fala pouco. Não ferve de indignação. Tem hábitos parcimoniosos.
Hirayama é modelar na sua simplicidade voluntária. Não tem uma casa luxuosa repleta de inutilidades tecnológicas, o que não quer dizer que não habite um espaço confortável. Também não tem um desses automóveis que pesam quase três toneladas, nem um dos que vai dos 0 aos 200 km em escassos segundos. Em vez disso, desloca-se numa viatura de serviço ou, fora do tempo de trabalho, de bicicleta.
A fotografia é um dos seus hábitos. Tem uma máquina fotográfica, que não é digital. Usa rolos a preto e branco que manda revelar numa loja. Procura captar o que a língua japonesa designa por komorebi, a luz do sol que se apresenta filtrada nas árvores e florestas.
Dias Perfeitos é uma homenagem a uma vida governada pela sobriedade. A frugalidade de Hirayama decorre de uma escolha, não de uma fatalidade, como é possível deduzir quando lhe conhecemos a irmã.
Dias Perfeitos é ainda um tributo às canções, a começar pela de Lou Reed que dá título ao filme. Hirayama escuta em cassettes a música de Nina Simone, Otis Redding, Patti Smith, Van Morrison ou The Velvet Underground (em certo momento, fica a saber que as cassettes que escuta lhe renderiam imenso dinheiro se as quisesse vender) e julga que Spotify é o nome de uma loja em Tóquio.
Hirayama não esgota a atenção ao deslizar o dedo sobre o ecrã. Lê livros em papel. Não tem conta no Facebook, no Instagram, no TikTok, no Twitter ou X. Também não tem WhatsApp. Não vê vídeos no YouTube. Não sofre da síndrome de FOMO, acrónimo de Fear Of Missing Out, do medo (ou será ansiedade?) de não conhecer todas as novidades.
Estreado no Festival de Cannes do ano passado, Dias Perfeitos foi distinguido com o Prémio do Júri Ecuménico, tendo sido o Prémio de Melhor Actor atribuído a Koji Yakusho. Ele é um inesquecível Hirayama, uma personagem que parece de outro tempo – pode ser que esse tempo seja o futuro.
*Em exibição até 10 de Janeiro no Cinema Trindade, no Porto.