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O futuro está na interioridade, na alegria, na oração e na humildade

São palavras do arcebispo Dom José Cordeiro no Plano Pastoral da Arquidiocese para estes próximos 10 anos, e do Papa Francisco na alocução de 30 de Dezembro 2023 aos «Pueri Cantores», grupos juvenis que animam musicalmente as celebrações litúrgicas.

 Com razão e fundamento sólido, o plano pastoral se sintetiza na frase: «Juntos no Caminho de Páscoa: levar Jesus a todos e todos a Jesus», porque o fundamento da Igreja é o Mistério Pascal (Plano Pastoral -PP – p. 8). «Só à luz da Páscoa podemos celebrar e viver a Eucaristia. A partir da Eucaristia, a Igreja faz-se sinodal, samaritana a missionária». (PP, 9)

 Outra afirmação luminosa e desafiadora é: «A Liturgia é a Bíblia transformada em palavra proclamada e em palavra rezada e actualizada, ou melhor, a Liturgia é a palavra celebrada… A leitura das Escrituras é parte integrante da Liturgia. A leitura da Palavra é parte integrante e constitutiva da celebração da Eucaristia, e em relação com a liturgia eucarística forma todo um conjunto». (PP, 11-12)

 E os que chegam à Eucaristia no final da segunda leitura ou mesmo depois do Evangelho, participam realmente na Eucaristia? Cremos que não. Mas também o sacerdote, os leitores e cantores que despacham a Palavra e os cânticos sem alegria, sem chama, sem as pausas e momentos de silêncio de contemplação e interiorização, desvirtuam o próprio sacramento que, supostamente, estão a celebrar.

 Por isso me parecem de toda a oportunidade as palavras do Papa aos «Pueri Cantores»: «Aquilo que fazeis é muito importante, porque com as vossas vozes ajudais a comunidade a rezar, a abrir o coração ao Senhor. E isto é fundamental para a vida da Igreja».

 Definiu o canto com 3 palavras inspiradoras: alegria, oração e humildade.

 «O canto é alegria, especialmente quando é realizado em coro. Quando colocais o vosso entusiasmo no cantar, ofereceis uma grande prenda àqueles que vos escutam. Há tanta necessidade de alegria no mundo! Muitas pessoas, também muitos jovens, estão prisioneiras da angústia ou do tédio. O canto e a música podem tocar os corações, proporcionar beleza, e restituir o gosto e a esperança na vida. E isto é alegria».

 Mas um coro não existe para fazer espectáculo ou dar nas vistas. «Vós ajudais os outros a rezar com a vossa oração canora, isto é, cantada. Por isso é importante que cada um tenha o coração próximo de Jesus, não apenas quando canta, mas sempre. E isto faz-se na oração, todos os dias. Se o vosso coração estiver cheio de amor por Jesus, isto transparece nas vozes e é como uma flecha que acerta no alvo, chegando ao coração das pessoas».

 Infelizmente, há coros sem verdadeiro entusiasmo, porque os seus membros não têm vida de oração, uma vida de intimidade com Jesus. Mas o Papa vai mais longe e, por outras palavras, afirma o carácter profundamente sinodal do canto em coro: «Cantando e rezando juntos, em harmonia, escutando-vos, esperando uns pelos outros, inserindo os ritmos de cada um no ritmo de todos, vós ajudais a comunidade a fazer o mesmo, e ensinais quão belo é caminhar todos juntos». Por isso a Eucaristia é a experiência mais enriquecedora que se pode fazer do que é realmente a sinodalidade: escutar-se mutuamente, esperar uns pelos outros, inserir os ritmos de cada um no ritmo de todos. É um desafio permanente e exigente, mas, se não é realizado na assembleia eucarística – se cada um vai ao seu ritmo, sem escutar nem esperar pelos outros, sem inserir o seu ritmo no ritmo de todos -- não só fere a sinodalidade, como se cansa e esgota, porque vai realmente sozinho e não no encanto e enlevo da assembleia reunida que celebra e festeja o triunfo pascal.

 Francisco acrescenta a terceira palavra: «o canto é uma escola de humildade, porque o cantor, mesmo nas partes em que há solista(s), está sempre inserido num coro, que é maior do que ele, e no qual todos estão ao serviço de todos, incluindo o maestro que dirige. E o canto dos coros é ainda mais humilde, porque está ao serviço de Deus, pelo que, enquanto ajuda os outros a encontrar o Senhor, sabe também pôr-se de lado no momento oportuno, para dar espaço ao silêncio, onde cada um pode escutar no segredo as palavras que só Jesus sabe dizer a cada um de nós». Pelo contrário: «um cantor que procura colocar-se a ele no centro, ou que procura sobressair sobre os outros, não é um bom cantor, e muitas vezes só contribui para estragar o trabalho de todos. E isto percebe-se muito rápido. Por isso, não procureis mostrar-vos: esforçai-vos, sim, por vos fundir juntos, para que, na unidade que deriva da humildade, o vosso canto exprima verdadeira amizade: com Deus, com os outros e convosco próprios».

 Francisco conclui: «Quantas coisas nos ensina a música! E por maioria de razão a música sacra, cuja alma é a Palavra de Deus».

 O que se afirma da música, podemos dizê-lo também das partes rezadas, da palavra proclamada, escutada e saboreada no silêncio, dos gestos que, na sua nobre simplicidade, tanto contribuem para manter viva a chama de amor sem a qual a liturgia perde realmente o sabor e o encanto.

 Que a Epifania seja mais um desafio a oferecer como melhor presente a total entrega de quem procura continuamente mergulhar em Deus no mais íntimo do seu coração.

Carlos Nuno Vaz

Carlos Nuno Vaz

6 janeiro 2024