Muitos de nós ouvimos, por estes dias, proclamar lindos trechos de história de há dois mil e poucos anos atrás. E ficamos por aí, por essa comodidade que, não raro, não passa de superficialidade. É melhor do que ficar distante, dir-me-ão. Certo, de acordo. Mas, é pouco, assumo-o, perdoem a presunção. Hoje não se escuta, não se olha o firmamento como antes. Será essa a diferença entre nós e os pobres pastores ou os eventualmente abastados reis magos? Não me atrevo a sentenciar, mas acho que sim, que os últimos viviam seguramente mais o silêncio e a vida levava-os a interpretar mais os sinais. Hoje, o barulho chama-nos mais do que o silêncio, ocupa-nos tanto que as horas parecem correr mais rápido. E falta-nos tempo para o resto que, não raro, é fundamental. Ninguém ouve nada. Melhor, quase ninguém. Há sempre alguém mais certinho do que os demais – a maioria –, que não se deixa dominar pela tentação. No geral, não se presta atenção aos sinais. E tantas vezes são claros!
2. Parece não haver dúvidas de que os eleitores que serão chamados a decidirem o futuro próximo no dia 10 de Março não querem nem maiorias absolutas nem que o governo do país esteja na mão de um só partido. Apesar desse sinal transmitido por diversas sondagens, Montenegro e correligionários do seu núcleo duro ainda não perceberam isso ou simplesmente não quiseram ver. Não sei se a equipa de marketing os aconselhou a não ligar às vozes que preferem que os sociais democratas negoceiem com todo o espectro político à sua direita e não apenas com uma parte ou se a estratégia seguida é da responsabilidade dos próprios. Também os protagonistas dos entendimentos conseguidos até agora à direita foram buscar ao baú a marca AD-Alternativa Democrática sem reflectirem no critério. Há quem não ache isso inteligente e eu concordo. Desde logo, porque a marca está colada indelevelmente às personalidades que a criaram. Passos e Portas pensaram melhor e não quiseram apropriar-se do património de quem os antecedeu e escolheram outra marca, apesar do pacto social ser basicamente o mesmo. Até agora, Montenegro fez orelhas moucas a tudo e os resultados que têm chegado são bastante esclarecedores: o PSD perde para o PS, apesar do histórico da governação mais recente, e o secretário-geral socialista é o chefe de governo mais preferido pelos portugueses para suceder a António Costa no Governo.
3. O presépio que começou a ser montado no início de Dezembro do ano pretérito ficou completo de 24 para 25 do mesmo mês. Muitos colocaram lá os reis magos, embora esses ainda não tenham chegado. Anteciparam a história, talvez por a saberem de cor e desejarem que ela se renove como sempre sucedeu. Há histórias que são assim, conhecemos as personagens e o enredo tão bem que nos distraímos das circunstâncias e do tempo e acabamos por não respeitar a ordem natural dos acontecimentos. Mas, são histórias previsíveis. Ao contrário, há narrativas que não se repetem, de que não conhecemos várias das suas variáveis e cujo desfecho é uma incógnita. Não adianta anteciparmos o enredo, por mais que conheçamos as personagens. É que estas não dependem unicamente de si, mas também de terceiros, sobretudo destes. São histórias hipotéticas, condicionais, portanto, que nem a estratégia as conseguem determinar.
4. Os nossos políticos vão antecipando o que farão quando as sondagens lhes são favoráveis e evitam falar sobre o que farão quando acontece o contrário. É a estratégia a funcionar, o condicionamento dos sinais evidenciado, por exemplo, numa explicação tantas vezes estapafúrdia da realidade. Não faltam exemplos. Quando não querem discutir um tema ou não sabem como fazê-lo, os mesmos protagonistas inventam um barulho qualquer para que todos se fixam nele e ninguém fale daquilo que lhes é incómodo. Uma fuga para a frente para mais tarde recordar um passado irreal. Como o tempo litúrgico, o tempo da política e da cidadania deve obrigar à escuta e à atenção dos sinais. Ninguém está isento.