A vida humana e a vivência cristã desenvolvem-se sob o signo da esperança. Trata-se de uma ideia bem sublinhada e fundamentada por Vítor Novais, sacerdote da Arquidiocese de Braga e Professor da Faculdade de Teologia, na sua dissertação doutoral A proposta da esperança cristã, hoje. O contributo de José-Román Flecha1. O autor teve a gentileza de ma oferecer e eu já tive a oportunidade de ler, com encanto e proveito, algumas das suas páginas.
Começa por afirmar que “a esperança (...) está no cerne do ser humano e da sua existência (...). De facto, se pensarmos no que significa o desespero ou a ausência de horizonte, compreendemos que a esperança emerge das profundezas do ser humano. Sem esperança, o humano não pode viver. O ser humano é um ser ‘esperante’.
(...) Ela é alento incontornável que habita os diferentes âmbitos do saber e do viver. Embora esteja presente no coração humano em todos os momentos, a esperança é uma realidade sempre frágil, mas indispensável para nós, humanos, enquanto peregrinos de um porvir onde se experiencia esta permanente tensão” (p. 13). Talvez por isso Simone de Beauvoir tenha afirmado que “é horrível assistir à agonia de uma esperança”.
Logo de seguida, o autor acrescenta que, “embora a prevalência seja dada à fé, é a esperança que possui o primado na experiência cristã (...), que desinstala a reflexão e a vida, tirando-as de um certo marasmo, e que, simultaneamente, permite um questionamento que cria pontes com os nossos contemporâneos” (p. 14).
Juntamente com a fé e a caridade, a esperança é uma das três virtudes teologais, assim chamadas por serem dons de Deus e dele procederem. As três andam de mãos dadas e exigem-se mutuamente: “só quem crê e ama sabe esperar. A fé e o amor são os carris pelos quais pode avançar a locomotiva da esperança”2.
São muitos os textos com que a Sagrada Escritura fala desta virtude. Como modelo de esperança, propõe Abraão: “Foi com uma esperança, para além do que se podia esperar, que ele acreditou e assim se tornou pai de muitos povos” (Rm 4, 18). Além disso, afirma que “a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito que nos foi dado” (Rm 5, 5). Por fim, sugere: “no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça” (1 Pe 3, 15).
Dar início a um novo ano é recomeçar, sob o signo da esperança, como o sugere a expressão “ano novo, vida nova”! Muito mais do que uma mera repetição cíclica, a vida é recomeço, com a disposição de percorrer novos caminhos, apesar da rotina. Recomeçar é a exigência de quem não se deixa vencer pelas dificuldades e problemas; pressupõe a ousadia e a coragem de dar passos em frente, apesar de, por vezes, as circunstâncias impelirem para trás. É a atitude normal de quem não vive acomodado ou adormecido, mas procura estar vigilante; pressupõe a natural e sadia inquietação interior como antídoto para a letargia.
Urge aprofundar e cultivar a esperança, dado o seu primado na vida cristã3, como bem o salienta a dissertação doutoral a que, acima, nos referimos e que propomos como leitura para este novo ano. Aos poucos e com paciência, se leem os livros grandes e os grandes livros!
Termino desejando a todos os leitores do Diário do Minho um excelente 2024, vivido sob o signo da esperança, apesar das sombras com que, a nível mundial, nos deparamos.
1 Na p. 15, o autor aponta os objetivos da sua investigação: “a nossa opção será a de sondar a spes e de a reler filosófica e teologicamente, encontrando nela uma nova hermenêutica, ou seja, uma renovada síntese, imbuída deste princípio vital; pretende-se também propor uma nova gramática sapiencial, alicerçada na espera e fundada no ato de esperar, numa articulação com o ato de crer e de amar. Neste tempo que nos é dado viver, é urgente reacender aquela esperança escatológica que nos convoca a reconhecermo-nos não só como responsáveis pela história, como também pela humanidade presente. E, deste modo, é-nos concedida a oportunidade de escrevermos a nossa história com criatividade, abrindo-nos à invenção de possibilidades que nos permitem encontrar um maior entendimento e uma maior amplitude para a nossa vida”. A obra está estruturada em três capítulos densos, mas bem estruturados, bem escritos e bem fundamentados. Enquanto obra de investigação, é um contributo significativo para a reflexão sobre a esperança.
2 Manuel Morujão, Viver com qualidade. Virtudes humanas e cristãs, ed. Apostolado da Oração, Braga 2000, p. 44.
3 “A temática da esperança apresenta-se como elemento determinante da ética cristã e como chave hermenêutica da vida cristã” (Vítor Novais, o. c., p. 14).