No dealbar de um Novo Ano (e não de um novo século ou milénio), que balanço fazer do Ano Velho? Sendo realista e chamando as coisas pelo seu verdadeiro nome, o ano que agora finda não foi melhor, nem pior que outros já passados e, sobretudo, foi um tempo de uma governação minada por escândalos, amorfismo e cinzentismo quanto basta.
Embora dono de uma maioria absoluta no Parlamento, a governação socialista, comandada por António Costa, nada do que é essencial para o país foi feito, porque se olhou mais para o próprio umbigo do que para a barriga do povo e do país; e a presidência da República chefiada, por Marcelo Rebelo de Sousa foi pródiga em tolerâncias e apaziguamentos desnecessários; e, daqui, resultaram múltiplas campanhas de rua e outras tantas passeatas, prometeu-se muito e cumpriu-se pouco, houve paixões demais e procriação a menos.
E o povo lá seguiu o seu apertado caminho embalado e adormecido por falinhas mansas e carinhas de anjo de uns tantos governantes que a fazer política são uns ases, mas a planear, gerir e governar o país não passam de uns refinados possidónios; depois, a sucessão de demissões, de caso e casinhos e suspeitas de tráfico de influências, favoritismo e corrupção redundaram na queda do governo e na marcação de eleições antecipadas.
E , após constantes greves de professores, médicos e enfermeiros e, consequentemente, do colapso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que era o menino de oiro do partido socialista e restantes esquerdas, o resultado estava à vista desarmada; e de nada valeu a teimosia e caturrice do primeiro-ministro António Costa em querer à viva força segurar o governo, mesmo contra a opinião e vontade do Presidente Marcelo.
Ora, esta clara situação de desgoverno e do abandono da vida real dos portugueses por quem tinha todos os trunfos para governar com serenidade e êxito, conduziu a um declarado fenómeno de anemia económica e social, traduzida pela fórmula do não te rales, não te chateies, deixa correr dos homens da governação e que típica é da nossa forma bem portuguesa de estar tanto na vida, quanto na democracia que se cuida ser o regime político que nunca falha, nem vacila.
Toleramos tudo, conformamo-nos com tudo e ficamos cómodos e impassíveis perante a violação e negação das elementares regras de governação e, até, dos nossos próprios direitos e valores; e, então, o resultado desta passividade, desinteresse e amorfismo do povo leva ao grassar de um enorme relativismo moral, de falta de ética e do caráter e permanente incapacidade para agarrar os problemas nacionais e de lhes dar a necessária resolução, como, claramente, demonstrado ficou na queda, por pouco desempenho governativo, da Saúde, da Educação, da Justiça e da Economia.
E, assim, o professor na escola, o juiz na sua comarca, o polícia na rua, o médico no hospital, o fiscal na repartição pública, o autarca na autarquia, o governante no seu ministério, o cidadão em geral e em qualquer lugar foram convivendo com este estado de espírito e consentindo no avanço deste nacional porreirismo que corrói por dentro, qual bicho da madeira, quer homens, quer instituições; e, mais grave ainda, estende-se às estruturas democráticas corroendo-as, pondo a sua existência em perigo e consentindo no avanço feroz de extremismos, populismos e nepotismos.
Pois bem, este estado de bananismo coletivo é inimigo do progresso, do bom funcionamento das instituições, da discussão, da intervenção, da participação democrática e obsta à criação de movimentos cívicos capazes de impedirem o indiferentismo e a apatia social; assim, protestar, afrontar, indignar são atitudes cívicas legítimas que revelam a maturidade e vitalidade do corpo social.
Agora, que o Ano Velho se vá sem um lamento, uma súplica já que saudades não deixa, pois nos lega o aumento da pobreza (17% da população vive com menos de 591 euros mensais), da inflação, de uma crise dramática na habitação e das desigualdades sociais entre os portugueses; e, então, que o Novo Ano nos chegue com a esperança e a promessa de ser o tempo e o modo de dar a volta às coisas e pôr o povo a pensar mais pela sua cabeça e a indignar-se sempre que os poderes institucionais lhe neguem ou violem os seus direitos, liberdades e demais valores fundamentais.
Então, tenham um bom Ano e até de hoje a oito.