É costume e propício que exaltemos as virtudes neste período, se olhe para o lado positivo da vida, misturando alegria com um pouco de sapiência e quiçá, tolerância q.b., evitando falar de tragédias, deixando a maledicência no caixote do lixo e até as preocupações legítimas com os (des)arranjos intestinais das causas públicas, dos enfardos políticos e dos golpes de passeio nos jardins do poder político. Não esquecendo que, nesta época, há milhares de portugueses a sofrer, a viver em condições que nos envergonham, sobre os quais pesa uma fatura de desigualdade perene, vale apena destacar a qualidade única que nos distingue como povo, que nos catapulta para a globalização secular: a interculturalidade. A marca deste ADN que me orgulha e me faz sentir bem, como português, está ilustrada numa notícia do Jornal de Notícias, publicada há dias, sobre matrimónio; não propiamente sobre os casamentos tradicionais lusos, mas sobre o reforço de uma tendência muito nossa de nos misturarmos. Então é assim: até ao final do mês de novembro tinham-se celebrado 1051 matrimónios entre portugueses(as) com alemães, ingleses, franceses, espanhóis, italianos, irlandeses, polacos, brasileiros, angolanos, cabo-verdianos, santomenses, guineenses e venezuelanos; surpreendente é verificar que esta nossa expressão global ganhou titularidade na Europa, o que demonstra várias coisas: a nossa presença no espaço europeu é cada vez mais respeitada e quem olha e se apaixona em Portugal ou lá fora por um português, passou a secundarizar a origem e deixou de olhar para os portugueses como um povo atrasado, ou no mínimo, desqualificado como era timbre, sobretudo entre alemães, franceses e ingleses. Por outro lado, uma lei aberta a casamentos entre pessoas do mesmo sexo, tornou tudo mais fácil e o país passou a ser visto como “friendly”. Um outro número que não nos deve surpreender chegou na sexta-feira, com a divulgação do resultado do inquérito do Instituto Nacional de Estatística sobre a origem étnico-racial da população portuguesa. Mais de 260 mil pessoas revelaram ter origem mista num universo de meio milhão que se afirma como não branco. Os dados podem ser consultados e confirmam esta capacidade universal, não só de nos misturarmos, como de acolher os outros que escolhem o nosso país para viver. Num período difícil para os que chegam à Europa, seja para trabalhar ou na condição de refugiados, os dados lusos mostram, que apesar da existência de exploração de mão de obra, de condições de vida para alguns, inadmissíveis, o saldo é positivo e é nesse capítulo que nos devemos concentrar quando a EU acaba de celebrar um acordo político sobre asilo e migração da União Europeia, cujos contornos e consequências foram já saudadas por países como a França, aberta ao mundo, mas sem uma política de acolhimento e acompanhamento eficazes. Portugal não precisava deste acordo, dada a sua tradição neste capítulo em fazer diferente. É verdade que há falhas no nosso sistema, mas temos tido capacidade no acompanhamento, acolhimento e na criação de condições para os muitos milhares que aqui arribam. Invertemos há duas décadas o domínio secular que nos projetava no mundo, para passarmos a ser país acolhedor. Não há, assim, motivo para não realçar este facto como positivo, carregado de uma simbologia que nos deve animar e orgulhar, apesar de nem tudo correr bem neste domínio. Seja Natal, ou não, esta marca distinta, bem portuguesa, é algo que merece ser realçado no meio de tanta obstrução neuronal, na capacidade de muitos, para perceber a diferença.