Ao lançar um olhar em redor da celebração do Natal vejo-o rodeado de algumas banalidades. Vejo a sua simbologia bíblica substituída por alegorias sem sentido, nem história. Em que são trocados cânticos natalícios por cantigas e slogans alusivos a produtos comerciais. Mesmo os enfeites das cidades e vilas quase nada nada dizem de transcendente aos seres humanos. Coisas p´rafrentex, sempre em nome da mudança. Só não muda o espírito odioso e conflituoso do ser humano. Tudo é adulterado em nome do progresso, num paulatino degenerar da aura de humildade e do Divino que esteve na sua génese. Tudo isto acontece perante a indiferença e, até, colaboração de todos nós. Valha-nos, ao menos, a persistência de muitas famílias cristãs em preservar o que é genuíno do Natal, mantendo não só a tradição, como a passagem do testemunho às camadas mais novas.
Lembro que ao longo dos tempos foram muitos os textos dedicados ao Natal. Só para mostrar alguns exemplos cito, de entre outros, os relatos históricos dos Evangelhos de S. Lucas (2,10,13-15), alusivos à Boa Nova do Nascimento de Jesus, nosso Salvador; do saboroso livro, “Suave Milagre”, do grande Eça de Queirós (escritor envolto em polémica quanto ao seu repouso definitivo), em que o Natal é tema primordial. Obra de tamanho reduzido, mas grandiosa na sua mensagem. Numa demonstração de que, por vezes, não é nas grandes coisas que descobrimos Deus, mas nas pequenas. Um conto alusivo ao amor entre mães e filhos e à família de Nazaré.
De igual modo, compositores houve empenhados na tarefa de criarem – numa espécie de inspiração divina – melodias e letras de encanto sublime. Ou seja, autênticos hinos de louvor tendo por tema a Natividade de Jesus. Não podendo esquecer, de entre outras, o “Adeste Fidélis”, cuja autoria tem sido atribuída ao nosso rei D. João IV; a melodiosa, repousante e enternecedora “Noite Feliz”, mundialmente conhecida e oriunda, segundo penso, do centro da Europa. Continente cujos valores ancestrais, nos dias de hoje, correm perigo devido às ideologias políticas de desconstrução do edifício familiar tradicional.
Um outro forte exemplo do que se vai perdendo, é o da montagem do Presépio. Embora ainda tenhamos alguns “carolas”, como os escuteiros, que nas paróquias o armam, ou voluntários que o promovem ao vivo, como acontece em Priscos, Braga. De resto, o que vemos é a substituição das suas imagens por outras de incentivo ao consumo. Longe vai o tempo em que se criavam verdadeiras obras d’arte pioneiras. Recordo a simplicidade do Presépio saído da imaginativa terna dum Povorello de Assis (a que aludiu o Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, na sua mensagem do Advento); do engenhoso ideário dum Machado de Castro; as criações artísticas geniais dum fra Angélico; a extraordinária coleção de figuras alusivas ao nascimento de Jesus, reunidas ao longo de 70 anos, dum Prof. J. Hermano Saraiva.
Ademais, há como que um progressivo “apagão” da luz que erradia da festa natalícia. E o resultado está à vista. A paz entre os homens de boa vontade, deu lugar aos conflitos e à mortandade humana, patentes no guerrear entre os povos, que a Comunicação Social diariamente nos exibe; à corrida ao armamento; ao desassossego; ao ódio e à vingança; à corrupção em benefício próprio; à pobreza e à fome. De tal forma, que as relações humanas andam pela hora da morte.
Em face disso, nesta quadra natalícia, de 2023, só posso manifestar o meu desejo de que o Papa Francisco, após o debate e reflexão do último período sinodal e do cimo dos seus 87 anos, se não deixe abater. Que o Espírito Santo o ilumine por forma a debelar a escuridão que atormenta a Igreja de Pedro. É que se o Natal é luz, evitemos que a que irradia da Sagrada Família, de Nazaré, se apague. O desafio é enorme, face às tentativas de laicização da sociedade atual e à perseguição aos cristãos por todo o mundo. No entanto, aquilo que me resta dizer é que, apesar de tudo, é Natal.
Feliz NATAL