Quando houve referendo sobre a liberalização do aborto em Portugal (2007), votei contra, por variadíssimas razões, mas falarei apenas das que mais me indignaram, porque tudo me indignou no processo: a legalização de um crime; a vitória de um sim com 59,25% dos votos entrados nas urnas; um referendo com uma participação inferior a 50%, pelo que não foi vinculativo; uma lei posteriormente aprovada pelo Parlamento a permitir o aborto até às dez semanas de gestação. Ora, às dez semanas, já o feto está quase totalmente formado! O seu coraçãozinho já bate, e baterá até à morte!
Depois, incomodou-me a pergunta capciosa que puseram no boletim de voto, que foi esta: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?» Tratou-se de um fraseado fraudulento que implicitamente beneficiou o sim e prejudicou o não. Na verdade, a expressão «interrupção voluntária da gravidez» não passa de um eufemismo que suaviza a violência mental que a palavra aborto sugere; porque se a expressão fosse: «Concorda com a despenalização do aborto…», muitos eleitores, atingidos psicologicamente por imagem tão chocante, logo diriam: «Não, aborto não!» É que aborto significa a morte de um embrião, feto ou nascituro, mas «interrupção voluntária» pode apenas dizer que vai ser feita uma pausa num processo, mas nunca quer dizer destruição definitiva, eliminação. Bem sei que até na semântica tudo tende para o relativo e o subjetivo, mas, para mim, há realidades objetivas das quais não abro mão. E uma delas é o conceito que tenho de aborto. Portanto, não me venham cá com interrupções voluntárias, porque eu não gosto de ser enganado. De mais a mais, gostava de saber como pode ser livre a vontade da mulher que decide abortar.
Outro fator que me indignou em todo o processo da liberalização do aborto foi o facto de o legislador atirar o ónus da culpa para cima da mulher, tornando-a única responsável pela gestação de um filho não desejado. Onde está o protagonista masculino de uma relação que nunca deveria ter existido? Também não faz parte do problema do aborto? E, depois, acima das dez semanas, criminaliza-se a mulher, mas não se criminaliza o homem? Quer dizer que um homem concorre para a tragédia de uma mulher, e não se passa nada com ele! Que estranho sentido de justiça. Não gosto disto.
Não se compreende que numa sociedade que destruiu todos os tabus, onde há informação a rodos, onde os jovens e os adultos já não acreditam nas cegonhas de Paris, nem nas histórias da Carochinha, ainda se continuem a praticar relações desprotegidas. Se um casal, fora ou dentro do casamento, quer ter uma relação não reprodutiva, das duas uma: ou espera pelo período infértil da mulher, ou recorre aos métodos contracetivos. Qualquer moça ou mulher sabe de cor e salteado qual o período da sua ovulação (se não sabe, valha-me Deus!); qualquer jovem ou homem que não queira engravidar uma mulher, ou abstém-se, ou usa anticoncetivo.
Não vou falar mais da absurdez das dez semanas (!), nem dos «estabelecimentos de saúde legalmente autorizados», como a Maternidade Alfredo da Costa (Lisboa) transformada numa clínica de abortos, porque tudo me compunge neste processo. Apenas espero que se faça muita educação sexual junto das novas gerações, para que, de futuro, tenhamos menos abortos, que é o que de pior pode acontecer na vida de uma mulher. Vejamos o que, a esse respeito, diz o psicólogo americano Vogel: «Com efeito, para uma mulher, destruir a sua gravidez é um pouco destruir-se a si mesma. Alguma coisa de muito profundo, dentro dela, é atingida. Esse traumatismo pode conservar-se imerso no subconsciente, e durante toda a vida, sem nunca vir à superfície.» (1)
A legalização do aborto, associada ao rigoroso inverno demográfico que assola o nosso país, constitui um magno problema nacional. Para os políticos de Lisboa, porém, é um não-problema, porque os problemas deles são escândalos, tricas, ajustes de contas, boataria do disse-que-disse, eleições, campanhas, contagem de espingardas, guerrilha partidária… e o país que espere!
(1) Aborto – Crime ou Liberalização, de Jean Toulat, Publicações Europa-América, 1974
Nota: No artigo publicado no passado dia 16, por lapso, foi omitido o título do filme “Les Premiers Jours de la Vie”, produzido pelos laboratórios Guigoz (França). O filme foi realizado por Claude Edelmann (1976).