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“NATAL DE QUEM?”

Num belo poema – cujo título, aliás, tomei para esta crónica –, inserido no livro “Lágrima do Mar” (1966), um meu velho conhecido e antigo correligionário político, João Coelho dos Santos, interroga-se e interroga os seus leitores sobre o sentido da Natividade, sobre se foi este o Natal de Jesus.

 Com graça e com verdade, começa por versejar assim: 

“Mulheres atarefadas/ Tratam do bacalhau, /Do peru, das rabanadas./ – Não esqueças o colorau, / O azeite e o bolo-rei!/ – Está bem, eu sei!/ – E as garrafas de vinho?/ – Já vão a caminho!/ – Oh mãe, estou p’ra ver/ Que prendas vou ter./ – Que prendas terei?/ – Não sei… 

Num qualquer lado, /Esquecido, abandonado, /O Deus-Menino/ Murmura baixinho/ – Então e Eu,/ Toda a gente Me esqueceu?”

 E num passo mais adiante, continua deste modo: 

“Senta-se a família/ à volta da mesa./ Não há sinal da cruz,/ Nem oração ou reza./ Tilintam copos e talheres./ Crianças, homens e mulheres/ Em eufórico ambiente./ – Lá fora tão frio,/ Cá dentro tão quente!/ Algures esquecido,/ Ouve-se Jesus dorido:/ – Então e Eu?/ Toda a gente Me esqueceu?

Rasgam-se embrulhos,/ Admiram-se prendas,/ Aumentam barulhos/ Com mais oferendas./ Amontoam-se sacos e papéis/ Sem regras nem leis.

E Cristo Menino/ A fazer beicinho:/ – Então e Eu,/ – Toda a gente Me esqueceu?”

 Ora a questão colocada não é meramente retórica, pois, na realidade, desde há umas boas dezenas de anos, se vem assistindo à neopaganização das festividades natalícias, desde logo bem espelhada na troca da centralidade do Menino Jesus pela figura do Pai Natal e do presépio pela árvore.

 Mantendo embora o cariz de maior celebração festiva familiar, o Natal perdeu o fervor religioso de outrora, traduzido no cuidado e gosto com que em quase todas as casas se montava o presépio, na oração que precedia a ceia, na assistência à missa do galo ou à do próprio dia 25, na reflexão sobre o nascimento do Deus Menino, a família de Nazaré e os valores do amor, da humildade, da caridade e da paz que representam. E, paulatinamente, foi-se transformando num culto da gastronomia, das prendas caras e excessivas, da ostentação, do bem-estar material e do ego sócio-familiar, esquecendo-se que o verdadeiro e único homenageado é Aquele de quem se celebra o nascimento – Jesus!...

 Importa, pois, recristianizar o Natal e repor o seu genuíno espírito a partir do presépio, extraindo do nascimento do Menino Deus que nele se representa, a sublime lição de vida que encerra: simplicidade, humildade, bondade e amor de um Deus que se fez homem para mostrar a sacralidade da nossa existência terrena e nos abrir o caminho da salvação e da verdadeira vida.

 Se assim for, estou persuadido que, celebrando com esse espírito a festa grande da Natividade do Redentor, poderemos viver mais intensa e plenamente a alegria e a paz que Ele reserva a todos os homens e mulheres de boa vontade.

 Com o propósito de contribuir para a reposição da centralidade desse verdadeiro espírito natalício, resolvi ilustrar este texto com a imagem de um pequenino presépio de barro que tenho em casa, da autoria de uma minha conterrânea, a barrista barcelense Irene Salgueiro, consagrada especialista nesta temática.

 Quer pelo material utilizado – a argila com que, segundo o Génesis (2,7), Deus modelou o homem –, quer pela criatividade, estilo e colorido, bem ao sabor popular do nosso Minho, creio que a obra interpreta bem a crença nacional no mistério do nascimento de Jesus.

 Que o Deus Menino ilumine com a sua luz todos os povos da terra e lhes alimente a esperança num futuro melhor, mais pacífico, mais humano e mais solidário.

 Com este sentido, desejo aos meus estimados leitores um Santo Natal e um feliz Ano Novo!

António Brochado Pedras

António Brochado Pedras

22 dezembro 2023