Sermos felizes é o desejo humano mais universal. Todos querem ser felizes. Também o Evangelho é, a seu modo, um longo hino à alegria, uma feliz notícia, anúncio de alegria. Mas o discurso da Bíblia sobre a alegria é um discurso realista. Não é idealista nem veleidoso. Com a comparação da mulher que dá à luz (Jo 16, 20-22), Jesus disse-nos muitas coisas. A gravidez implica contratempos e limitações várias, mas quando é desejada e vivida num clima sereno, não é um tempo de tristeza, mas de alegria. E a razão é simples: olha-se para diante, pregusta-se o momento em que se poderá ter nos braços a própria criatura. Nenhuma outra experiência humana se pode comparar à felicidade que uma mulher experimenta ao tornar-se mãe.
Estas considerações dizem-nos algo muito preciso: as alegrias verdadeiras e duradoiras amadurecem sempre no sacrifício. «Não há rosa sem espinhos», reza o aforismo. Não podendo separar dor e prazer, temos que escolher: ou um prazer passageiro que conduz a uma dor duradoira, ou uma dor passageira que leva a um prazer duradoiro. E isto não vale apenas para o prazer espiritual, mas para toda a alegria humana honesta: a de um nascimento, uma família unida, uma festa, um trabalho bem realizado, o gozo de um amor abençoado, a amizade, uma boa colheita, um bom desempenho de uma empresa, a criação artística, uma vitória, etc.
Alguém poderá objetar: para o crente, a alegria, nesta vida, será sempre e só objecto de espera, só um gozo «do que está para vir?». Não. Existe uma alegria secreta e profunda que consiste precisamente na espera. Mais: talvez esta seja, no mundo, a forma mais pura de alegria: a alegria que se tem em esperar. Cantalamessa, no seu comentário à liturgia do 3º domingo do Advento, cita Leopardi: «A alegria mais intensa não é a do domingo, mas a do sábado; não é a da festa, mas a da sua espera». A diferença é que a festa que o crente espera não durará apenas algumas horas, para logo ceder o lugar à ‘tristeza e ao tédio’. A festa que ele espera durará para sempre.
Afirma Di Simone Baroncia, a propósito dos 60 anos da ‘Sacrosantum Concilium’ sobre a reforma da Liturgia, que: «A Liturgia é o coração da vida da Igreja, e a sua beleza não está em algo que fazemos, mas em Alguém que encontramos». «Não é belo aquilo que agrada, mas é belo aquilo que é belo». Na celebração, nós, como afirma São Francisco: «encontramos a Beleza … a liturgia não é um momento da vida cristã, mas o momento principal, o momento em que realmente fazemos experiência do encontro com o Senhor». E depois, tal como acontece nos Evangelhos, Jesus convida os discípulos a descerem do monte, para irem para o mundo anunciar o Deus vivo, para evangelizar, mas, sobretudo, para O testemunhar no serviço aos irmãos. Por isso, «quando celebramos com fé este Mistério de amor, exprimindo-o e vivenciando-o com as palavras, com os gestos, com toda a nossa pessoa, também nós somos transfigurados». Nisso consiste a verdadeira alegria.
«A liturgia não é bela porque seduz, mas é bela porque conduz, levando pela mão o crente para o mistério… O Natal não é uma festa rotineira que nos consome com o que devemos fazer e comprar, mas uma irrevogável mudança de condição na vida dos homens. … Natal é um anúncio de vida em todos os sentidos. É o tempo novo que entrou para sempre na vida do mundo. É a esperança que não necessita de se contrapor às misérias correntes, porque as ultrapassa e oferece um horizonte e uma visão diferentes … Natal não é uma decorrência do calendário. É a vida que continua a chamar a vida, mesmo em tempos tão sombrios. Por isso, a liturgia, com a beleza e a riqueza das suas orações, e com a abundância da sua Palavra proclamada, cria uma espécie de conjunção entre os dois polos da nossa fé em Jesus Cristo: a Incarnação, e a sua Paixão, Morte e Ressurreição».
A concluir o seu maravilhoso livro: «Não há vidas grátis», António Pinto Leite afirma: «A felicidade é a contrapartida do dom da vida. Na porta da eternidade, é crítico ser feliz. Não nos podemos encontrar com Cristo sem sermos felizes. Devemos a Cristo a consciência de sermos seus filhos. Que mais deseja um pai do que ter feito feliz o seu filho? … Ser feliz é um imperativo da alma; exaustão, depressão e tristeza são contingências da vida. A felicidade significa um coração cheio e entregar tudo a Deus, mesmo o trágico da vida». (p. 282)
A alegria vem-nos de Deus. «Para os católicos, a participação na Eucaristia é algo essencial». E ao contrário do que muita gente pensa, «a experiência religiosa, sendo autêntica … é a experiência que em nós, a partir de dentro, faz despontar o que somos, mas não sabemos … e faz reconhecer que a Salvação se nos faz próxima, que o nosso destino é a Alegria sem ocaso, que a luz que nos espera, brilhando nas trevas, simplesmente, não se apaga». (João Vila Chã, Facebook 17/12/2023).
Sinceros votos de um Belo, Santo e Feliz Natal.