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Do Oeste nada de novo

Como o leitor decerto já percebeu, desta vez resolvi quase replicar o título do famoso romance do alemão Erich M. Remarque, por mais de uma vez transformado num filme de sucesso. Nesta obra, Remarque denuncia a realidade absolutamente insana da primeira Guerra Mundial, vivenciada pelo próprio na primeira pessoa.

Na versão otimista do inglês E. G. Wells, esta 1ª. Guerra Mundial haveria de ser a “Guerra que acabará com guerra”, conforme o título que escolheu para uma coletânea de artigos que publicara na imprensa justamente no início deste conflito, em 1914. Wells enganou-se redondamente, sabemo-lo, tal como o romântico Woodrow Wilson, presidente dos EUA ao tempo (1913-21), também não conseguiu que a “sua SDN” travasse a guerra no futuro, conforme acreditara (o poder legislativo nos EUA recusou a adesão do país a esta organização, a qual, logo por isso, haveria de revelar-se, em breve, falhada na perseguição da paz mundial).

Por cá, na Europa e no Ocidente ainda predominantemente cristãos, atravessamos a quadra natalícia, propícia aos melhores votos para o futuro próximo, quando não mesmo aos melhores vaticínios, e de entre eles o de paz. Mas a realidade esmaga os melhores desejos no que respeita à geopolítica mundial, vendo-se a Europa ensombrada pelo curso de dois violentos conflitos (Israel-Hamas/Palestina e Ucrânia). 

A Ucrânia caminha para o cumprimento do ano dois da guerra com a Rússia e agora com perspetivas menos animadoras. Nos EUA, a obstrução, da oposição política de Biden à prossecução do apoio financeiro e em material bélico à Ucrânia (singular na sua importância) ameaça a manutenção da resistência ucraniana à máquina de guerra russa. Ainda que a UE mantenha um forte apoio financeiro e militar à Ucrânia, sem o decisivo apoio americano prefiguram-se inviáveis quaisquer veleidades ucranianas de reconquista de territórios ocupados, acertam quase todos os militares mais entendidos na guerra.

Nesta guerra, a Rússia afirma, entre outros argumentos, que está a defender as minorias russófilas, que acusa de terem sido maltratadas, pelo poder ucraniano. Este argumento tem precedentes. Para evitar as disputas nacionais, para enquadrar territorialmente as diferentes minorias europeias de uma forma pacífica, no final da já referida 1ª. Guerra Mundial, os diversos tratados de paz (Versalhes e outros) promoveram a proliferação de novos estados-nação na Europa. Não foi bem-sucedido todo o processo. No final da década de 1930, com argumentos semelhantes aos agora utilizados por Putin, Hitler ocupou territórios de diversos países vizinhos (para reunir os falantes de língua alemã), processo que conduziria à 2ª. Guerra Mundial. Num caso e noutro, a guerra foi incendiada por regimes autoritários (sendo que não podemos escamotear o caráter mais brutal e inumano do regime hitleriano face ao observado na Rússia autoritária de hoje).

A tentativa de reescrever a História na Europa – o continente com fronteiras mais retalhadas no mundo e redesenhadas no curso dos muitos séculos decorridos – tem sido fator determinante para a eclosão de guerras.

Voltamos ao presente. Aproxima-se também o Natal na cristã Ucrânia (maioritariamente ortodoxa), mas o espírito de paz da época apenas poderá manifestar-se numa frágil luz bruxuleante. A quietude que ameaça instalar-se em Washington, faz temer os ucranianos de que do Oeste mais longínquo, dos EUA, não surja mais apoio para manterem a guerra contra o ocupante russo. 

O horror da guerra será intemporal, acertaremos todos, sendo que os diretamente nela envolvidos (soldados ucranianos e russos, sobretudo) poderão relatá-lo de forma mais convincente (daí o êxito da obra de referido E. Remarque). Mas para os decisores políticos e militares que na Ucrânia alimentam o sonho de restaurar a soberania territorial do país tal não se materializará sem mais instrumentos de guerra. E os ucranianos temem que do Oeste (EUA) não haja mais nada (armas sobretudo) de novo. O nosso Fernando Pessoa afirmou “A minha pátria é a língua portuguesa”. A língua, que une ou justifica uma nação, mas que também divide, percebemos. No final do século XIX, o polaco Ludwig Zamenhof criou o “esperanto” como proposta para uma nova língua universal, o que poderia favorecer a harmonia entre os povos. Decididamente, para infelicidade nossa, não teve, até agora, sucesso.

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

15 dezembro 2023