Quem não gosta de um pastelzinho de Belém, de uma natinha, de uma tíbia ou jesuíta, de um naco de toucinho-do-céu ou de uma fatia de pudim abade de Priscos, de um cafezinho ou de meia de leite bem quentes e doces? E como diz o povo que o que é doce nunca amargou, o açúcar impôs-se como um verdadeiro manda-chuva nos hábitos modernos de bem comer.
Porém, longe vão aos tempos em que as mães escondiam dos filhos pequenos a lata do açúcar para lhes refrear os apetites; e, porque era um produto caro, desta forma matavam três coelhos de uma cajadada: poupavam dinheiro, combatiam a avidez dos petizes e preservavam a saúde dos seus dentes.
Agora, com o aproximar do Natal, a coisa complica-se, porque as doçuras tradicionais são um verdadeiro manjar dos deuses e, como tal, uma desbragada tentação: os sonhos, as filhós, as rabanadas, a aletria, os mexidos, o leite-creme, o bolo-rei, o pão-de-ló, eu sei lá; só que o meu bom leitor dirá que como esta será uma mega açucarada uma vez no ano, não vem nenhum mal ao mundo e como a seguir a abstenção e a dieta será rigorosa, tudo se recompõe e o pecado da gula perdoado é ao bom cristão.
Pois bem, mesmo sabendo que o açúcar eleito está como o nosso doce inimigo, ele continua a dominar na dieta alimentar diária dos portugueses; e, daí, os malefícios resultantes para a nossa saúde são um facto cientificamente comprovado e propagado pela classe médica.
Mas, se recuarmos no tempo, mesmo numa viagem leve e breve ao mundo do açúcar, imensos são os contratempos pessoais e sociais que consigo arrasta, sendo o pior de todos a diabetes que afeta milhares de portugueses e responsável é por inúmeras mortes e quejandas maleitas; e esta, por si só, deveria ser a maior e mais forte razão para que governantes, dietistas e demais responsáveis tomassem medidas firmes de combate a este arreigado consumo de açúcar.
Para que saibamos, assim rezam as crónicas, vai para 1500 anos que começamos a plantar cana-de-açúcar na Madeira que, depois, foi levada para o Brasil; todavia, foi nas ilhas Caribe, nos Estados Unidos da América, que esta cultura se tomou dominante por força do uso de mão-de-obra escrava importada de África.
Mas, o açúcar granulado, segundo as estatísticas, tem 2500 anos de existência e apareceu na Índia, indo, de seguida, para a China; mas o seu domínio pleno no mundo vai para 500 anos, embora se saiba que já no período da Idade do Gelo se converteu açúcar em gordura como forma de sobrevivência dos então viventes.
Modernamente há já em muitos países uma enorme luta para a diminuição do açúcar na alimentação; e esta tentativa começa a fazer-se bem cedo, por exemplo, nas escolas com vista a que as crianças se sensibilizem para a moderação ou mesmo irradicação do seu uso.
Todavia, a entrarmos de rompante num mundo de magros, seria uma desgraça para o capitalismo e demais sistemas de economia, pois a rejeição do doce inimigo afundaria o setor económico e todas as atividades a ele ligado e levava à transformação profunda dos hábitos alimentares e, consequentemente, os fabricantes e vendedores de produtos, onde o açúcar é rei, afundar-se-iam nos seus negócios.
E, aqui já entram as companhias aéreas altamente interessadas na diminuição ou mesmo extinção do açúcar, pois transportar magros em vez de gordos, segundo as suas contas, é poupar milhões, já que a leveza neste tipo de transporte é primordial; e, para além deste setor, de atividade muitos outros espreitam novas formas de poupar com a diminuição do uso e abuso do açúcar.
Agora, como balanço final, os números que nos chegam na imprensa diária falam por si: em média, nos Estados Unidos da América, cada americano consome por ano 50 quilos de açúcar, enquanto um belga ou polaco se ficam pelos 40 quilos; e nós, para não sermos muito diferentes, já caminhamos para os 30 quilos.
Ora, por aqui se vê o poder enorme da indústria do açúcar que, assim, dificilmente desaparecerá; basta lembrarmo-nos que ela domina o nosso país já lá vão 50 anos e com tendência para crescer, se não forem tomadas as necessárias medidas de contenção.
Por isso, como o Natal se avizinha, pensemos nesta realidade a ver se refreamos os nossos apetites e dos que nos são próximos; e, obviamente, a bem da nossa saúde e da saúde nacional.
Então até de hoje a oito.