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Banco alimentado pela fome?

 

 

 

Pelo menos duas vezes ao ano (nas campanhas públicas de recolha de géneros, sobretudo, de natureza alimentar) ouvimos falar do ‘banco alimentar contra a fome’ (BA), uma iniciativa de solidariedade social, que, desde 1991, tenta dar ajuda a quase quatrocentas mil pessoas, que os vinte e um ‘bancos’, espalhados por todo o país recebem e distribuem meios de subsistência mínima. A última recolha decorreu, como habitualmente, no primeiro fim-de-semana de dezembro junto das grandes superfícies comerciais aderentes, tendo coletado cerca de 2.300 toneladas de géneros que serão distribuídos, posteriormente, pelas mais de 2.600 instituições de solidariedade social suportadas... 

1. Desde 2001 que a federação nacional dos ‘bancos alimentares contra a fome’ (BA) é gerida pela mesma figura, visualizada por ocasião de cada campanha. Os mais de quarenta mil voluntários dão corpo a uma iniciativa que, nestes mais de trinta anos, tentam atenuar as ‘fomes’ de milhares de pessoas (dizem que quase meio milhão), direta ou indiretamente, assistidos pelo ‘banco alimentar’... sob a forma de cabazes ou através de refeições confecionadas. Atendendo aos dados sobre a pobreza no nosso país são cada vez os que recorrem aos serviços do BA, numa espiral que tem tanto de complexa, quanto de questionante sobre este problema sócio-político-económico...

2. Deixo, antes de tudo, um tributo de reconhecimento aos milhares de participantes ativos nesta ação de benemerência em favor de quem consubstancia a fragilidade de pessoas, de famílias e de grupos. Este tema parece apresentar algumas pontas soltas e, nalguns casos, tentáculos mais profundos da natureza e da conduta humana. Deixamos questões, que, posteriormente, vamos abordar. Não haverá pessoas que estão há tempo demais em situação de dependência de terceiros para gerirem a sua condição de vida? Nos serviços de ajuda será feito tudo quanto se pode para tirar esses ‘pobres’ da sua fragilização? Não se dá, vezes em excesso, a sensação de que os ‘pobres’ sustentam muitas estruturas, estatais e não só? Por que se pretende ter preso pela boca quem podia (e devia) assumir a sua vida com mais coragem e rigor? Não andaremos a fazer dos ‘pobres’ promotores e beneficiados de setores sócio-políticos – partidos, sindicatos, associações de assistência, mesmo religiosa – que não os querem (inconscientemente) autónomos nem independentes?

3. Efetiva e desgraçadamente muita gente vive à custa dos pobres. Recordo a bizarra estória de umas senhoras bem conceituadas e com posses, que davam esmola aos seus pobres, de forma regular, desde gerações. Um dia reuniram de emergência, pois, era preciso pôr em ordem alguns atropelos: algumas andavam a tirar os pobres umas às outras... isso não era aceitável nem muito recomendável.
Em 2021, 1,7 milhões de pessoas encontravam-se em risco de pobreza, em Portugal. Isto significa que viviam com rendimentos inferiores a 551 euros mensais. Possivelmente os dados posteriores ao final da pandemia agravaram estas cifras, criando pessoas e famílias ainda mais endividadas e dependentes de ajuda exterior para conseguirem sustentar-se minimamente.

4. Os participantes nas campanhas de recolha de géneros deixam-nos a impressão que talvez não estejam totalmente bem instruídos sobre a matéria que servem, pois, ouvem-se destas frases: isto é para os pobrezinhos (como se nunca chegassem a poder ser como eles), ou ainda: hoje por eles amanhã por nós... Ora, talvez devessem ser revistas as datas de recolha mais intensiva – fim de maio e início de dezembro – na medida em que certos grupos participantes (escuteiros ou adolescentes da catequese) esquecem as suas obrigações para se entreterem com aquilo que pode funcionar como distração. Estes exemplos são do espaço onde me situo...

5. Nesta sociedade nitidamente de sobrevivência dá a impressão que continuamos a favorecer e a incentivar gestos, atitudes e comportamentos de alguma sobranceria e não a cultivar a convivência simples, leal e fraterna.

 

António Sílvio Couto

António Sílvio Couto

11 dezembro 2023