O Dia dos Direitos Humanos assinala-se hoje, recordando a adopção, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um modo particularmente útil de assinalar a efeméride é escutando, no site da Rádio Universitária do Minho, algumas das canções que, sobre o tema, Miguel Machado tem apresentado em Direitos a 33 rotações [1], um excelente programa emitido semanalmente às quintas-feiras, a partir das 12h35, que pretende ser uma “viagem espácio-temporal pelo universo dos Direitos Humanos na Música”.
Cada canção tem uma história, cuja trama essencial Miguel Machado conta sucintamente. Antes de cada audição, é explicado que urgência ditou a sua composição, qual o drama que a fez nascer. O combate ao racismo impôs Strange fruit, de Billie Holiday, a primeira canção a comparecer em Direitos a 33 rotações, estreado no dia 17 de Junho de 2021. Quando Billie Holiday imortalizou o poema de Abel Meeropol ainda não havia Declaração Universal dos Direitos Humanos e, se houvesse, não seria menos perseguida por causa dos versos que, como os que se seguem, os apologistas da supremacia branca não queriam ouvir: “As árvores do Sul dão frutos estranhos. / Sangue nas folhas e sangue na raiz. / Corpos negros balançando na brisa do sul. / Frutos estranhos pendurados nos choupos.” Escrita no final dos anos 30 do século XX, a letra falava dos tempos em que, como escreveu Henry Louis Mencken, no Sul dos Estados Unidos da América, “os linchamentos ocupavam o lugar do carrossel, do teatro, da orquestra sinfónica e de outras diversões habituais”.
A segunda canção de Direitos a 33 rotações foi Miss Sarajevo, dos U2, com a participação de Luciano Pavarotti. Foi inspirada num concurso de beleza realizado na capital da Bósnia Herzegovina, no centro da guerra dos Balcãs, em 29 de Maio de 1993, durante o qual as concorrentes surgiram no palco com um cartaz: “Don’t let them kill us” (“Não deixem que eles nos matem”). O assassinato de quatro estudantes da Universidade de Kent que se manifestavam pacificamente contra a guerra do Vietname, pela Guarda Nacional dos Estados Unidos da América, a 4 de Maio de 1970, justificou um vigoroso protesto em Ohio, dos Crosby, Stills, Nash and Young, a terceira música do programa.
As canções de Direitos a 33 rotações não dizem respeito apenas a tragédias passadas. Sarzamine man, cantada pela iraniana Darya Dadvar, é um hino da luta pelos direitos humanos no Afeganistão. Afrique Victime, de Mdou Moctar, tuaregue, natural do Níger, é uma denúncia dos crimes de que África é vítima. A propósito desta canção, Miguel Machado refere que a quase totalidade dos nigerinos não obtém qualquer benefício por viver na nação que detém uma das maiores reservas mundiais de urânio. Enquanto, em França, um em cada três lâmpadas é iluminada por urânio nigerino, 90% dos nigerinos não tem acesso a electricidade.
O centésimo programa foi emitido em meados de Outubro passado. Dando a escutar canções famosas ou ignoradas, antigas e recentes, cantadas em português ou em línguas que não compreendemos, Miguel Machado tem traçado um mapa-múndi de protestos contra as ofensas aos direitos humanos, tornados audíveis pelas vozes de, por exemplo, Arslan Hazreti e Mohamad Fityan, Bob Dylan, Bob Marley, Fela Kuti, Fiona Apple, Joan Baez, Maria del Mar Bonet, Mercedes Sosa, Natalia Lafourcade, Nina Simone, Peter Gabriel, Sting, Tiken Jah Fakoly, Totó la Momposina, Violeta Parra, Youssou N’Dour e Neneh Cherry ou 10.000 Maniacs, Muse, REM, The Clash e The Doors.
Direitos a 33 rotações também inclui, evidentemente, vozes portuguesas, como as de José Afonso (“Venha a maré cheia / Duma ideia / P’ra nos empurrar”), Sérgio Godinho (“Só há liberdade a sério quando houver / A paz, o pão / habitação / saúde, educação”), Rui Veloso, Carlão e Boss AC ou Luísa Sobral.
O Dia dos Direitos Humanos tem sido sempre assinalado por Miguel Machado. Quando o fez pela primeira vez, apresentou All human beings, obra em que o compositor Max Richter inclui extractos do texto aprovado pela Organização das Nações Unidas, lidos por diversas pessoas. Eleanor Roosevelt, presidente da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas e grande impulsionadora da Declaração Universal dos Direitos do Homem, é quem lê parte do preâmbulo e o início do artigo 1.º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.”
[1] https://rum.pt/shows/direitos-a-33-rotacoes